Há 18 mil pessoas credenciadas em Portugal para aceder a informação classificada
Além das “centenas de milhares de documentos” das secretas que ficam automaticamente sujeitas a segredo de Estado, só dez matérias foram classificadas como tal. Chefes de gabinete do Governo, líderes das forças de segurança, motoristas e funcionários de limpeza entre os priveligiados.
Há 18 mil pessoas em Portugal credenciadas para aceder a informação classificada, avança esta segunda-feira o "Público", que tem por base o número do Gabinete Nacional de Segurança, um serviço que funciona no âmbito da Presidência do Conselho de Ministros e que atribui esta credenciação de segurança. Para obtê-la, é necessário preencher um longo formulário, que é cruzado com dados recolhidos pelas Polícias e pelas secretas, com o propósito de avaliar se o requerente é idóneo para ter acesso a informação sensível.
Credenciais não garantem acesso
Os indivíduos credenciados para aceder a informação classificada possuem um total de 37.800 credenciais de segurança, tendo em conta que, habitualmente, cada pessoa tem dois certificados - um para documentos confidenciais e outro para secretos, que são válidos, no máximo, por três anos. Entre esse grupo estão líderes de Polícias e chefes de gabinete de governantes, mas também motoristas ou funcionários da limpeza. Todos os que tenham oportunidades de acesso, mesmo que involuntário, a matérias classificadas devem ser credenciados, adianta o diário.
Mas o facto de serem credenciados não significa que tenham acesso à matéria sensível. “O referido certificado não permite, porém, que o seu titular tenha acesso a todas as matérias classificadas do grau especificado naquele documento, mas apenas àquelas que, pela natureza das suas funções, tenha necessidade absoluta de conhecer”, especifica o regime da informação classificada.
Dispensados do processo de credenciação, que demora em média 56 dias, só está um grupo muito restrito de pessoas. “O primeiro-ministro e os outros membros do Governo da República e dos governos regionais, através do ato de posse, ficam automaticamente credenciados para todas as classificações de segurança”, lê-se no diploma.
Só dez matérias classificadas
O Gabinete Nacional de Segurança, que atualmente está na dependência do ministro da Presidência, António Leitão Amaro, controla ainda toda a vida da informação classificada no país, que implica o processamento anual (criação, distribuição e destruição) de 248 mil documentos classificados, de acordo com a média das últimas duas décadas, escreve ainda o jornal. Os dados, registados numa plataforma informática, dividem-se em quatro graus: “muito secreto”, “secreto”, “confidencial” e “reservado”.
Já os documentos sujeitos a segredo de Estado, que gozam de um regime próprio, ficam à parte. Segundo o último relatório da Entidade Fiscalizadora do Segredo de Estado (EFSE), relativo a 2023, existiam apenas, no final desse ano, dez matérias que tinham sido classificadas como tal. Entre elas encontra-se um relatório sobre os meios coercivos usados pelas forças de segurança, especialmente as armas de fogo, classificado em 2015 pela então ministra da Administração Interna, Anabela Rodrigues; o código fonte dos sistemas informáticos que suportam a atividade dos tribunais e dos registos, classificados em 2020 pela então ministra da Justiça, Francisca Van Dunem; e um documento sobre a “estratégia de comunicação internacional do Governo acerca dos mercados financeiros, finanças públicas e rating”, classificado por António Costa em 2021.
Embora o número de matérias classificadas como segredo de Estado seja residual, esse número deixa de fora “centenas de milhares de documentos” produzidos pelos serviços secretos (uma estimativa feita em relatórios anteriores dessa entidade), que são automaticamente abarcados pelo segredo de Estado, de acordo com a lei que regula o funcionamento dos serviços de informação. Neste grupo inclui-se a identidade dos agentes das secretas, tanto do Serviço de Informações de Segurança (SIS) como do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED).
Gabinete quer resolver falha legal
Apesar de o segredo de Estado ser o pináculo da proteção da informação sensível estas matérias podem ser, em teoria, acedidas com base numa autorização de quem classificou os documentos, sem necessidade de uma investigação prévia sobre a idoneidade de quem os vai conhecer. Trata-se, de acordo com o "Público", de uma falha legal que uma alteração legislativa proposta pelo Gabinete Nacional de Segurança pretende resolver.
Mas, ressalva o jornal, na prática, muitas vezes a credenciação é exigida, porque os serviços secretos, que produzem a maioria dos documentos sujeitos a segredo de Estado, usam de forma complementar a classificação de “reservado”, “confidencial”, “secreto” e “muito secreto”, para graduar a relevância da informação e orientar como a mesma deve ser guardada, distribuída e destruída.
Pen com dados de inspetores e agentes das secretas
A notícia do "Público" surge dias depois de o Ministério Público ter confirmado que está a investigar um eventual crime de violação do segredo de Estado relacionado com uma pen drive apreendida há mais de um ano num cofre no então gabinete de Vítor Escária, antigo chefe de gabinete do ex-primeiro-ministro, António Costa, que conterá a identificação de espiões, entre outros elementos.
Depois de a revista "Sábado" ter avançado essa notícia, ficou a saber-se que o conteúdo da pen apreendida corresponde aos ficheiros que foram roubados de uma base de dados da Segurança Social, em 2019, por um inspetor estagiário. O funcionário, que viria a ser considerado inimputável por sofrer de doença mental, terá enviado 81 ficheiros por email para vários destinatários, incluindo o diretor nacional da Polícia Judiciária, exigindo a entrega de “500 mil euros em notas de 20 e 50 euros não numeradas” sob pena de serem divulgadas “as identidades de todos os inspetores da Polícia Judiciária, agentes do SIS, agentes do SIED, e demais pessoas em todas as redes sociais”.
Fonte: Jornal de Notícias
Foto: André Kosters/Lusa