Peritos sublinham necessidade de autoridades manterem sigilo sobre casos de violência doméstica

O caso analisado no mais recente relatório Equipa de Análise Retrospectiva de Homicídio destaca que quando a vítima foi pela primeira vez para acolhimento temporário, acabou por ser revelado o seu paradeiro

O mais recente relatório da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica (EARHVD) - que analisa as mortes e tentativas em casos de violência doméstica - volta a recomendar uma maior articulação entre todas as entidades e estruturas integradas na Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica (RNAVVD). E sublinha que todas entidades tenham contacto com os processos de violência doméstica devem guardar sigilo.

"Todas as entidades que intervenham no processo penal, a qualquer título, devem preservar sempre, por óbvias questões de segurança, o sigilo da localização das respostas de acolhimento de vítimas de violência doméstica, assim como qualquer informação desnecessária que possa afetar o trabalho dos/as técnicos/as que aí desempenham funções", lê-se no relatório agora publicado numa recomendação dirigida às autoridades judiciárias e órgãos de polícia criminal.

No caso analisado, em que um homem tentou matar a ex-mulher, é destacado que quando a vítima teve de ir, pela primeira vez, para acolhimento temporário, acabou por ser revelado o seu paradeiro. "Foi então que foi publicada uma notícia, num jornal local, que identificava o local onde se encontrava e permitiu a ida até lá do agressor, pressionando-a para que voltasse para casa e pedindo-lhe que o perdoasse. Não sendo uma estrutura especializada para acolher e proteger estas vítimas, [a vítima] sentiu-se pressionada pelo mal-estar que a situação criou na instituição e não teve o apoio de que necessitava para romper com o ciclo de violência. Acabou por regressar a casa, voltando a coabitar com o agressor."

Dez anos depois da primeira saída de casa, o agressor tentou afogar a mulher, tendo sido condenado a seis anos de prisão, o que não permite que a pena seja suspensa. "O agressor (B) não concretizou a sua intenção de matar a vítima (A) porque, na outra margem do rio, uma pessoa que ia a passar apercebeu-se do que estava a acontecer, gritou que estava a filmar e que iria denunciar B à GNR. Foi então que B largou A e esta conseguiu fugir da água. Posteriormente, a referida pessoa publicou no Facebook as imagens captadas com o telemóvel", escreveram os peritos no documento.

Durante o seu testemunho à EARHVD, a mulher declarou que: "é injusto ter de ser sempre a vítima a sair de casa; que as vítimas deviam ser informadas sobre o decorrer dos processos, o que no seu caso não aconteceu, e dele foi sabendo “pelos jornais e pela televisão”; neste último processo saiu da casa de abrigo por sua iniciativa, pois soube, por esta, que B tinha sido preso; a nomeação de 16 advogados, que requereu, só foi feita 3 ou 4 dias antes do julgamento; um jornal local, quando da primeira ocorrência, publicou uma notícia na qual era identificada a instituição em que se encontrava acolhida, o que permitiu a sua localização pelo agressor (B)".

Ao Ministério da Administração Interna, Ministério da Justiça e Secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade, a EARHVD recomenda ainda que deve ser ponderada a necessidade de revisão do “modelo de documento comprovativo da atribuição do estatuto de vítima".

Fonte: Expresso