Código de Conduta do Governo já limita nomeações de família. Marcelo quer ir mais longe

"O Presidente quer que o Código do Procedimento Administrativo diga claramente que as disposições sobre conflitos de interesses familiares se aplicam às nomeações de membros de gabinetes políticos e equivalentes e que se alargue, em paralelo, o âmbito familiar."

Poucos se aperceberam, mas o Código de Conduta do Governo, aprovado em 2016 depois da polémica das viagens de três secretários de Estado ao Euro de futebol, alargou o regime das incompatibilidades familiares aos membros do Governo.

O artigo 6.º do Código parece, à primeira vista, responder a um dos pedidos do Presidente da República, ao remeter para dois artigos do Código do Procedimento Administrativo (69.º e 73.º) onde se define quando é que existem casos de "conflito de interesses", nomeadamente, lendo esses dois artigos, se o governante tiver uma relação familiar com o beneficiário de uma decisão.

Código de boas de intenções

A TSF sabe, no entanto, que Marcelo Rebelo Sousa levanta, no fundo, três problemas que não se resolvem com o Código de Conduta do Governo.

Fonte de Belém adianta que, em primeiro lugar, o Código de Conduta "não tem força legal", sendo apenas, no fundo, um leque de boas intenções. Aliás, o Código de Conduta foi aprovado apenas como uma Resolução do Conselho de Ministros que nem necessitou de passar (ao contrário de uma Lei ou de um Decreto-Lei) pela promulgação do Chefe de Estado.

A intenção de Marcelo é que as incompatibilidades familiares passem a ser lei. A TSF apurou que "aquilo que o Presidente quer é que o Código do Procedimento Administrativo diga claramente que as disposições sobre conflitos de interesses familiares se aplicam às nomeações de membros de gabinetes políticos e equivalentes e que se alargue, em paralelo, o âmbito familiar".

Como está escrito, o Código do Procedimento Administrativo aplica-se a "parentes em linha reta ou até ao segundo grau da linha colateral", ficando-se pelas relações entre irmãos, pais, netos e filhos, não chegando a primos, nem aos gabinetes de políticos.

Nomeações cruzadas não serão travadas com proposta de Marcelo

Admitindo, como Marcelo, que o Código de Conduta do Governo tem um poder efetivo muito limitado, o professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Paulo Otero, alerta que a solução apresentada pelo Presidente da República para travar as nomeações de familiares na política não vai, no entanto, impedir a grande maioria dos casos que se têm conhecido.

Em declarações à TSF, o especialista em Direito Constitucional e Direito Administrativo sublinha que as nomeações cruzadas de familiares não são resolvidas com as alterações propostas para o Código do Procedimento Administrativo.

Paulo Otero aceita que a alteração ao Código do Procedimento Administrativo é uma solução "mais rápida" mas não "a melhor solução": "O Parlamento devia debruçar-se com tempo na elaboração de uma lei que defina claramente situações de proibição de nomeação de familiares ou cruzadas, porque a fraude ao princípio que proíbe é a possibilidade de A nomear o filho de B e B nomear o filho de A".

Para o professor de Direito Constitucional, chegarmos ao ponto atual, em que se "verifica que é através da necessidade de uma lei que se definem regras de natureza ética", é "dizer que sem lei não há ética nos governantes e esse é o drama que o país está a tomar conhecimento e que não é exclusivo deste Governo, pois tem décadas".

Fonte: TSF
Foto: Pedro Granadeiro/Global Imagens