Call centers: o faroeste do atendimento vai enfim ter lei?
No Brasil, quem trabalha num call center só pode atender chamadas seis horas por dia e tem direito a pausas especiais quando a chamada é agressiva. Cá, os mais de 80 mil trabalhadores de um setor em crescimento - de 2016 para 2017 o volume de negócios triplicou; valerá mais de mil milhões de euros - não têm qualquer previsão legal específica porque a profissão nem está reconhecida. Esta sexta-feira, o parlamento vai debater essa necessidade.
"Obriga empresas de teleatendimento ou telemarketing a oferecerem serviços de ginástica laboral e atendimento psicológico a seus empregados." É uma proposta legal de 2017 e estava pronta para votação no final de 2018, quando as notícias anunciavam: "Bem estar no call center: legislação prestes a ser aprovada."
Na exposição de motivos, lê-se: "São profissionais que atuam em um ambiente de stress significativo, com a necessidade de cumprimento de metas, muitas vezes agressivas, e cobrança constante dos supervisores, o que pode levar ao surgimento de doenças. Além disso, a relação do operador de teleatendimento com os clientes nem sempre é amigável, o que também contribui para o sofrimento mental destes trabalhadores. Outro problema associado a essa profissão são os postos de trabalho pouco ergonómicos. Os operadores e operadoras atuam em estações com teclado, monitor e rato durante praticamente toda a jornada, em posições inadequadas e exercendo funções repetitivas, o que frequentemente leva a lesões osteomusculares."
Concluindo que "o trabalho como operadora ou operador de telemarketing é stressante por sua natureza, e por isso merece um tratamento diferenciado da legislação", o projeto de lei postula que "as empresas que possuem uma quantidade razoável de empregados na função de teleatendimento deveriam manter profissionais capacitados para comandarem a ginástica laboral em caráter permanente, o que evitaria muitos problemas de saúde. Adicionalmente, a questão do sofrimento mental precisa ser reconhecida e abordada com seriedade. Este Projeto prevê que essas empresas ofereçam tratamento e acompanhamento psicológico para todos seus funcionários, e informem os mesmos sobre este serviço, estimulando seu uso."
Um sonho para Isabel, 43 anos, há quatro anos a trabalhar num call center. "A sério? Nem quero acreditar." E não é mesmo para crer: a proposta de lei é brasileira e apesar de ter sido aprovada em várias comissões parlamentares foi arquivada em janeiro, por não ter sido ainda votada no plenário quando a câmara de deputados foi renovada para nova legislatura; poderá ser retomada até junho, o que talvez seja pouco provável dada a atual conjuntura não ser exatamente favorável à melhoria das condições laborais.
Ainda assim, no Brasil, onde os trabalhadores de call center serão mais de um milhão, a legislação impõe já que estes só trabalhem em atendimento um máximo de seis horas (à imagem do que se passa por exemplo em Itália; em França são sete horas), com várias pausas fixas garantidas. E prevê ainda"pausas no trabalho imediatamente após operação onde haja ocorrido ameaças, abuso verbal, agressões ou que tenha sido especialmente desgastante, que permitam ao operador recuperar-se e socializar conflitos e dificuldades com colegas, supervisores ou profissionais de saúde ocupacional especialmente capacitados para tal acolhimento." A falta a esta obrigação já motivou pelo menos uma condenação no Brasil, em julho de 2018: duas empresas foram forçadas a indemnizar uma trabalhadora que desenvolveu uma depressão, tendo os tribunais considerado que apesar de ser uma doença multifatorial - ou seja, de múltiplas causas - o facto de não ser concedida a pausa pós atendimentos agressivos era um dos fatores a ter em conta.
Isabel continua de boca aberta. "E somos nós supostamente o primeiro mundo."
"Não deve ser o Estado a compensar a ganância dos privados"
Isabel bem pode espantar-se. Em Portugal aquilo que faz há quatro anos não é sequer uma profissão reconhecida legalmente, quanto mais regulamentada. O parlamento vai discutir esse vazio esta sexta-feira, estando em causa projetos de resolução de quatro partidos - PS, BE, PCP e Verdes - que pedem ao governo que ponha a Autoridade das Condições de Trabalho a fazer um estudo/avaliação da realidade de um setor no qual o texto do PS admite existir em alguns casos aquilo que qualifica de "uma escravatura moderna". Ainda assim, os socialistas não avançam já para o pedido de reconhecimento e regulamentação, ao contrário dos outros três partidos.
Este debate será o segundo sobre call centers no parlamento; o primeiro, em janeiro, foi o da discussão da petição promovida pelo Sindicato dos Trabalhadores de Call-Center (STCC) com o título "O trabalho em call center é uma profissão de desgaste rápido" e na qual se pedia um horário de trabalho em que se estivesse em linha até 75% das oito horas, com 10% de tempo de pausa/intervalo (seis minutos) por cada hora em linha.
A petição foi entregue na Assembleia da República em novembro de 2017, com 5500 assinaturas; na sequência disso, conta Manuel Afonso, da direção do STCC, "o BE e o PCP comprometeram-se a apresentar propostas fundadas nela." O principal propósito do único sindicato dedicado ao setor é conseguir que haja reconhecimento da profissão e regulamentação e "um contrato coletivo de trabalho como em Espanha." Este, anota Manuel Afonso, prevê pausas de 30 segundos entre chamadas: "Comparativamente ao que temos cá, é ótimo. Aqui as pessoas podem passar oito horas ao telefone sem pausas."
O STCC divide o setor com outros sindicatos não especializados (o Sindicato das Comunicações e Audioviduais, o Sindicato do Comercio e Serviços, o Sindicato das Indústrias Elétricas de Sul e Ilhas), com os quais Manuel Afonso garante que se tem tentado criar um diálogo, "um movimento comum", mas sem grande sucesso. Com 600 associados, porém, e independente das centrais sindicais, o STCC está a conseguir pôr o assunto na agenda ou, como diz Manuel Afonso, "na praça pública".
O foco principal da luta não é no entanto o que deu nome à petição. "Creio que todas as profissões tendem a tornar-se de desgaste rápido e não entendemos a nossa luta como uma competição para ver qual é a profissão pior", explica o sindicalista. "Neste momento o foco é mais nas condições de trabalho, até porque de outro modo estaríamos a exigir ao Estado que compensasse um excesso de ganância dos privados, ao baixar a idade da reforma e os descontos para o IRS. Devem ser as entidades patronais a comedir a sua ânsia por lucros, e não o Estado a compensar os trabalhadores por isso."
Ainda assim, será o trabalho em call centers, por natureza, desgastante, ou serão as condições em que ele é atualmente prestado que o tornam desgastante? "Tendencialmente o trabalho em call center é desgastante porque combina duas coisas que são opostas: o trabalho com o cliente, a empatia, o diálogo, a relação humana, e a organização industrial. É a mistura de ritmo e organização fabril com a relação com um cliente." Coisas algo contraditórias, até antagónicas, que podem levar a um curto-circuito. "Até porque há a tendência para haver um script, um guião, do qual não se pode sair. Quem atende não tem autonomia, é a ideia de transpor o modelo industrial para os serviços. Os clientes sentem que estão a falar com máquinas e irritam-se." Manuel Afonso suspira. "Criou-se uma cultura em que nós não temos direitos a sério e não prestamos um serviço a sério e o cliente não nos trata a sério." Porque há também, sublinha, a necessidade de "quebrar o estigma de que isto não é um trabalho a sério, uma profissão a sério." Suspira. "Se 10% dos trabalhadores de call center vier para a rua somos 8 mil. E sem isso acontecer não acreditamos que por milagre nos deem direitos de mão beijada."
"No início ia-me abaixo. Agora vou menos"
Mas voltemos a Isabel. Com 12º ano e filhos pequenos, procurou emprego quando voltou de uma temporada no estrangeiro em que só o marido trabalhou. "A única coisa que aparecia como hipótese eram call centers" e acabou por entrar num, que considera não ser dos piores. "Ganhamos acima da média. Dos que conheço é o que paga melhor. Tenho colegas enfermeiros, economistas, advogados que trabalham nisto porque ganham mais que nas suas profissões. Tem coisas boas e tem coisas muito más. Por exemplo se for trabalhar para uma loja pagam-me menos. Mas sinto que não nos respeitam, tratam-nos como números. É raro termos uma situação em que nos sintamos compreendidos. Psicologicamente é muito cansativo - há pessoas muito mal-educadas e não temos tempo de recomposição. Às vezes os clientes estão a ser desagradáveis connosco e segundo as normas temos de avisar três vezes antes de desligar. No início quando comecei não chorava, porque não sou de chorar, mas ia-me abaixo. Agora vou-me menos abaixo."
Outro fator a ter em conta são os efeitos físicos: "Por causa dos ouvidos, porque estamos sempre com os speakers o dia todo, não podemos tirar, já senti tonturas, enjoos. E tenho sempre aquele zumbido horrível. Já fui ao médico por causa disso. E às vezes não temos voz, por causa de uma gripe, e não podemos fazer atendimento. Metem-nos a dar apoio a quem começou agora mas se acontece alguma coisa, se corre mal, querem que sejamos nós a assumir. Já me aconteceu e recusei, porque não queria forçar a voz."
O tempo para ir à casa de banho está cronometrado - "Temos 10 minutos por dia, mas podemos ir quando queremos, há call centers em que não é assim, têm de pedir autorização e ficar em fila, à espera, e se atendem uma chamada entretanto podem perder a vez e ter de pedir de novo autorização, porque não se pode interromper a conversa com o cliente" --, e temos duas pausas no dia além da hora de almoço: 15 minutos de manhã e depois a pausa da tarde. Eu não tenho essa porque trabalho menos horas."
O momento dessas pausas e da hora do almoço muda todos os dias. "Eles mandam um email diariamente com isso. Por exemplo hoje o almoço foi ao meio dia e meia, mas pode ser ao meio dia ou à uma. Os colegas que entram às sete da manhã têm de almoçar às 10. É muito chato. E já aconteceu haver colegas grávidas que têm de comer sempre à mesma hora e eles não se preocupam com isso, têm de andar a trocar com outras pessoas." Quanto aos fins de semana, diz, "há muitos colegas que trabalham vários fins de semana e não lhes dão folgas de compensação em dois dias seguidos. Trabalhar sempre ao fim de semana é muito mau para a vida social e familiar. E um dia de folga não chega para descansar."
Trabalhando em horário reduzido - seis horas em vez de oito -- Isabel ganha 637 de ordenado bruto base mais subsidio de refeição e prémios. "Em média o líquido com os prémios é de 750 euros."
Com um intervalo de 8 segundos entre chamadas "que não deixa descansar a cabeça de ninguém", tem cerca de 30 por dia para atender - tão poucas porque faz assistência técnica para uma empresa de informática, a uma média de 17 minutos cada. "E 17 minutos é muito pouco, porque há pessoas que não percebem nada dos aparelhos e demora muito tempo a explicar-lhes. Algumas que nem sabem o que é um email. Mas se levamos mais de 17 minutos vêm logo ter connosco e chatear-nos. E se a pessoa não percebe somos nós que somos responsabilizados, a falha é nossa."
Esta limitação no tempo de chamada deve-se, explica, à unidade de pagamento. Se a empresa intermediária onde presta serviço paga por "cabeça" à empresa de trabalho temporário que contratou Isabel, a de informática paga à intermediária por chamada. Quanto mais chamadas, mas a intermediária cobra.
"Tenho colegas que foram trabalhar para a Irlanda, diretamente para a empresa informática. Ganham o triplo [o salário mínimo na Irlanda é de 1656 euros] e não têm limite de tempo para atender as pessoas. Ficamos assim com uma ideia de quanto estas empresas intermediárias ganham." E com a noção do motivo pelo qual tantas empresas estrangeiras alocam aqui os seus serviços de atendimento: Portugal sai-lhes muito barato, mesmo pagando a duas empresas em vez de pagar diretamente ao trabalhador.
Ainda assim, apesar das queixas e da análise pouco risonha que faz da área, Isabel nunca pensou em formas coletivas de reivindicação, ou em sindicalizar-se. "Nem sabia que havia um sindicato para ajudar estes trabalhadores", comenta. "Sabe, eu tenho os miúdos e quando vou para casa acabo por me esquecer das coisas, concentro-me neles. Mas agora ao falar consigo fui-me lembrando de tanta coisa que acho mal."
"Arruinou-me a saúde"
Já Lúcia Fonseca só se lembra do que achou mal. Tem 30 anos, trabalhou cinco anos e meio em call centers e saiu no final de 2018, depois de seis meses de baixa por depressão e burn out, dores cervicais e tendinites. Um cocktail de várias das afeções identificadas como sendo típicas desta atividade.
O tipo de call center onde esteve é considerado, por vários entrevistados pelo DN, o pior. "Era um call center de uma empresa de telecomunicações. Estive em dois tipos de linha: a de refidelização, que é para quando o contrato está a acabar e queremos que o cliente renove, e noutra para contactar os clientes que já tinham pedido para desligar com o objetivo de que reconsiderassem. Era muito exigente. Muitas chamadas. Muito longas. Muito cansativo para nós e para os clientes. E há pessoas muito mal educadas."
O tempo entre chamadas dependia - "Podemos fechar uma chamada e um segundo depois estar a atender outra. Mas também pode levar dois minutos. Não éramos nós que fazíamos as chamadas, caíam-nos na linha." As pausas somavam 24 minutos - incluindo as idas à casa de banho -- nessas oito horas, mas sempre sujeitas a autorização superior. "Somos cronometrados ao segundo. Qualquer intervalo implica autorização. Se estou aflita para ir à casa de banho tenho de esperar por OK, mas se entretanto aparece uma chamada tenho de atender. Quantas e quantas vezes isso me sucedeu." Quanto às chamadas desagradáveis/agressivas , as tais que no Brasil implicam um tempo de compensação, Lúcia costumava chamar um superior para explicar o que se tinha passado.
O salário era o mínimo e acresciam prémios de produtividade - relativa à percentagem de retenção de clientes e à qualidade do atendimento. O valor mais alto de prémio que recebeu num mês foram 450 euros. O contrato era anual, mas ao fim de ano era feita uma adenda. "No fundo, era como um contrato de dois anos. Decidi sair no final de 2017, estava saturada. Ainda não estava diagnosticada mas sentia muita dor física, e pensei que o dinheiro não paga a saúde. Passamos muitas horas sentados, em tensão. Tinha lombalgias, dores cervicais (as cadeiras e as secretárias são péssimas), tendinites a ponto de deixar de mexer os dedos da mão. Acordava e não tinha o mínimo de vontade de ir para o trabalho, cansaço constante, crise de ansiedade - tinha-as desde miúda e exacerbaram-se." Havia, conta, mais gente com os mesmos sintomas. "Era inevitável conversarmos uns com os outros nem que fosse para trocar ideias e há lá imensa gente que só se aguenta com muita coragem."
Esperou até ao final de 2018 para terminar os dois anos de contrato e poder ter direito a subsídio de desemprego. Ainda não tratou do assunto nem sabe bem o que vai fazer. "Sou licenciada em engenharia alimentar e nunca arranjei trabalho nessa área. Acho que vou estudar, mas noutra área. E sei o que não quero de certeza: voltar a um call center. Arruinou-me a saúde."
Como Isabel, Lúcia nunca se sindicalizou. "Mas sei que há sindicato. Só que nunca vi nada acontecer. Era importante, claro, diminuir o tempo em linha em aumentar as pausas entre chamadas. Eles têm ideias mas não têm força para que as coisas mudem."
"Acham que isto é o fim da linha"
Lúcia trabalhava naquilo a que na gíria do setor se chama "linha outbound" - para fora. "São as piores", comenta Maria, uma formadora de contact center que teve uma experiência prévia num call center da Meo. "Só aguentei um mês ou dois. Tudo é medido ao rigor, tens de pedir autorização para ir à casa de banho, tens scripts/guiões dos quais não podes fugir. Um agente experiente atende cerca de 100 a 120 chamadas por dia. E se a linha for outbound os salários base são mais baixos para incentivar os agentes a cumprirem objetivos muito difíceis para completar o salário. As telecomunicações e energias são exemplos muito maus. Uma empresa como a Meo tem um after call - o tempo entre chamadas - de 5 ou 10 segundos. É uma brutalidade, desumano. O mercado português é muito, muito mau. Tanto em salários como condições de trabalho. As empresas internacionais como a Apple, Trip Advisor, Adidas, Airbnb, Booking, estão a instalar se em força cá. Comparativamente com Alemanha ou França, somos de borla."
Maria, 47 anos, é professora de origem. No início da vida profissional não arranjou colocação no ensino e foi "andando a recibos verdes em centros de formação". Esteve sete ou oito anos assim, deu explicações, esteve empregada numa "empresa muito boa" mas que fechou, abriu uma loja. "Entretanto em 2013 estive doente, tive de ser operada e não tive direito a baixa. Comecei a pensar o que ia fazer a seguir. Já tinha mais de quarenta e os call centers são a única indústria que não discrimina pela idade."
E lá foi. Está num num contact center desde 2015. "Aqui o agente comunica com os clientes por email, chat ou telefone. O nível de stress é completamente diferente. O facto de não estares constantemente ao telefone e teres tempo para falares com os colegas do lado faz toda a diferença."
Começou por ser "agente" (a pessoa que tem o contacto direto com os clientes), passou pela qualidade (os aferidores do desempenho dos agentes) e há dois anos passou para formadora. "Acabei por ser professora na mesma, mas sem testes para ver." Ri.
Ao contrário da ideia geral que se tem do seu trabalho - "Sinto muitas vezes esse estigma, as pessoas acham que para um call center vai quem não serve para mais nada, tipo fim da linha, dizem "Que pena teres de te sujeitar, não tens procurado outras coisas?"" -- Maria adora o que faz. "Se fosse professora ganharia mais 200 ou 300 euros por mês mas teria de mudar de casa todos os anos. E eu gosto desta Babel, da quantidade de pessoas diferentes."
Não é tudo perfeito, claro. "O grande problema são os horários. São rotativos, muitas vezes as folgas não são juntas, podes estar mais de um mês sem folgar um fim de semana completo. Tem um impacto tremendo na vida social e familiar, como imaginas. Agora tenho um horário normal mas como agente fiz meses seguidos da uma às 10 da noite. Chegava sempre a casa depois da meia noite." E os salários, que não são grande coisa: "Ganha-se em média entre 700 e 900 limpos, mais prémios. Uma das coisas que mudava neste setor eram os salários, claro."
Outra era mais fiscalização e uma regulamentação dos horários rotativos. Mas mesmo assim louva a sua empresa, que considera "atípica: temos seguro de saúde, médico duas vezes por mês, contratam grávidas, não põem problema nenhum a que homens gozem licença de paternidade. E tem guidelines muito rígidas contra discriminação. Pode-se ser despedido com justa causa por comentários racistas ou homofóbicos. Já tivemos dois casos assim. E há pessoal de Marrocos, Nigéria, Angla, Costa do Marfim, Argélia. Quanto a transgénero, se pretenderem ser tratados por um nome que não é o do BI, não há problema. Temos casais homossexuais e ninguém liga puto. Às vezes é cómico com o pessoal mais velho, que não está habituado. Mas se tens 60 e tal anos e te deram emprego já antes foste discriminado pela idade." Há muita gente com essas idades? "Sim, sei de uma senhora de 70 noutra sede da empresa. Os mais novos são super rápidos com as plataformas tecnológicas mas os mais velhos escrevem bem, são bons a resolver conflitos com os clientes. Precisamos de todos."
Uma política inclusiva que o sindicalista Manuel Afonso reconhece ser típica do setor: "A imagem do call center como o local de trabalho de jovens com o ensino superior não é verdadeira. Por exemplo na direção do sindicato somos sete e só dois temos curso superior. Há muita gente de 50, 60 anos em call centers. Pessoas em pré reforma, ou que perderam emprego. E gente que por muitos motivos não se integra noutros ramos, e que para um trabalho de balcão não são aceites: negros - é muito comum, comparativamente com o segmento de serviços -- homossexuais, transgénero, mães solteiras (as empresas gostam de que se queira fazer part-time)." Uma profissão desregulada, mal paga e de práticas abusivas onde se acoitam os excluídos: não exatamente um paradoxo.
Fonte: Diário de Notícias