Justas ou injustas? Discriminatórias ou não? Juízes querem olhar para sentenças sobre violência doméstica
Dois grupos de trabalho, um interno e outro em parceria, vão analisar decisões judiciais e tentar perceber se é preciso ajustar a lei e se as sentenças publicadas em Portugal sobre esta matéria são ou não discriminatórias.
A Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP) constituiu um grupo de trabalho interno que vai fazer um levantamento das decisões judiciais publicadas em Portugal sobre casos de violência doméstica e enquadrá-las, numa perspectiva europeia. Em simultâneo, está a preparar um protocolo de colaboração com a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) e uma universidade que não é, para já, identificada, para que um outro grupo integrando elementos destas três entidades analise, durante um ano, as decisões dos tribunais em casos de violência doméstica e crimes sexuais contra adultos, para perceber se há discriminação de género nos tribunais portugueses. No primeiro caso, deve haver resultados em Junho, no segundo, o prazo limite é Outubro do próximo ano.
A novidade foi avançada pelo presidente da ASJP, Manuel Soares, num artigo de opinião publicado na edição do PÚBLICO desta quarta-feira, em que expõe as razões para avançar com estas medidas. Segundo o dirigente sindical “existe um desfasamento entre aquilo que os tribunais fazem quando tratam da violência doméstica, e aquilo que a sociedade pensa que fazem ou deviam fazer”, escreve, gerando “uma imagem distorcida da realidade, que não corresponde, nem de perto nem de longe, à verdadeira face dos juízes”.
Casos como os que envolveram sentenças do juiz Neto de Moura – mas não só – trouxeram a questão para a opinião pública, admite Manuel Soares em declarações ao PÚBLICO. “Não podemos ignorar uma temática que está na ordem do dia. O problema existe e vamos olhar para ele”, disse.
Foi já este mês que a ASJP decidiu avançar com o grupo de trabalho interno que está já “a fazer um levantamento de todas as decisões publicadas em Portugal [sobre violência doméstica] e que estão nas bases de dados”, explica. A expectativa é de recolher informação sobre “umas centenas de casos” e que podem abranger um intervalo temporal “até 20 anos”. Este grupo pretenderá responder a duas questões – se as leis que temos nesta matéria são idênticas às que existem na União Europeia e se os tribunais aplicam sentenças “mais brandas, mais duras ou sensivelmente idênticas às que se aplicam nesses países”, explica Manuel Soares.
Para tal, está a ser preparado um questionário que vai ser enviado às entidades europeias com as quais a ASJP tem relações e os primeiros resultados, garante o dirigente sindical, devem estar prontos em Junho. “Se percebermos, a partir destes trabalhos, que há pequenos ajustes que seja necessário fazer, iremos propô-lo”, avança.
Governo disponível para alterar lei
Uma intenção que, curiosamente, surge no mesmo dia em que, segundo a Lusa, a ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, Mariana Vieira da Silva, admitiu à subcomissão para a Igualdade e Não Discriminação, que o Governo está disponível para fazer “alterações cirúrgicas” à legislação sobre esta matéria, se tal se verificar necessário.
Mais demorado, mas também com “carácter mais científico” será o trabalho que deverá nascer da colaboração com uma universidade e com a CIG. As perguntas a que este estudo pretende responder estão expressas no artigo que Manuel Soares publicou no PÚBLICO: “Há discriminação de género nas decisões dos tribunais portugueses? A resposta judicial varia em função do género do/a julgador/a? As sentenças nos casos de violência doméstica são demasiado lenientes?”
Manuel Soares diz que quer ter este estudo pronto em Outubro de 2020, a tempo do XII Congresso de Juízes que decorre nesse ano, e que será dedicado a esta temática: “Por nós, este trabalho já teria começado, porque é necessário. Nunca, nestes congressos, nos debruçamos sobre a temática da autocrítica, mas iremos apresentar as conclusões a que chegarmos, sejam positivas, negativas, agradáveis ou desagradáveis. Não fazemos isto para deleite intelectual.”
Fonte: Público