Médicos de família querem consultas com 30 minutos
A Ordem vai definir tempos mínimos para as consultas das diferentes especialidades. Proposta é apresentada esta semana. Objectivo é garantir uma duração adequada das consultas. A falta de tempo para falar com os médicos é hoje umas das razões que mais levam os doentes a reclamar.
As primeiras consultas feitas pelos médicos de família devem ter uma duração padrão entre os 30 e os 45 minutos. A definição dos tempos mínimos de intervalo para marcação de consultas fazem parte de uma proposta que a Ordem dos Médicos coloca esta semana em discussão pública. A aplicação destas normas poderá levar à necessidade de reduzir o número de utentes da lista de cada médico de família, admite o bastonário. O documento final será enviado ao Ministério da Saúde.
A iniciativa, que resultou de um trabalho de análise feito pelos colégios das especialidades da Ordem dos Médicos, pretende criar uma regulação dos tempos de consulta para fazer face “à grande pressão” que existe na área da saúde e ao facto de quer doentes, quer médicos não terem, “muitas vezes, o tempo que deviam ter para este primeiro contacto”, explica Miguel Guimarães. “Temos de proteger a relação médico-doente, a qualidade da medicina e os direitos dos doentes.”
O bastonário diz que os tempos padrão apresentados na proposta, que ainda não é definitiva, são uma referência e que “a necessidade desta intervenção tem a ver com a organização do trabalho”. Por exemplo, na medicina geral e familiar as consultas são marcadas a cada 15 ou 20 minutos e também existe, nos hospitais, marcação de mais de um doente para a mesma hora, o que leva a tempos de espera.
Mais de 60 especialidades
O documento, que estará em consulta pública durante 30 dias, apresenta tempos padrão para mais de 60 especialidades. Os períodos são definidos tendo em conta se se trata de uma primeira consulta ou consultas de seguimento e se há recurso à tecnologia. Também tem em consideração a especificidade de algumas situações. A título de exemplo, na dermatologia o tempo padrão da teleconsulta é de dez minutos. Se for com o doente em presença poderá ser de 25.
Segundo o bastonário, os colégios tiveram em atenção a necessidade de fazer a história clínica, o exame físico, a avaliação da eventual necessidade de exames complementares de diagnóstico, os sistemas informáticos e o tempo para esclarecimento de dúvidas. “Os médicos têm de ter tempo para explicarem muito bem ao doente a sua situação clínica e o que vão fazer. E ter o seu consentimento informado.”
Com estas normas, Miguel Guimarães espera que “o programa informático, que permite que se marquem 10 ou 20 consultas à mesma hora, seja imediatamente revertido”. “É uma situação anormal por parte do Ministério da Saúde permitir que nos centros de saúde e hospitais se marquem várias consultas à mesma hora”, diz, salientando que não são os médicos que fazem estas marcações.
Se em algumas unidades estes tempos de referência que a Ordem quer aprovar já são cumpridos, outras há que não é assim “e, muitas vezes, [isso] é feito como forma de aumentar a produção”, diz o presidente da secção Sul da Ordem dos Médicos. “O que um hospital faz é, para qualquer especialidade, marcar consultas de 15 em 15 minutos. Mas desde que começámos este movimento, houve uma diminuição da agressividade nos vários hospitais”, acrescenta Alexandre Valentim Lourenço, salientando que a regulamentação do tempo de consultas terá “implicações importantes”.
“Um médico não pode ter numa manhã 40 consultas. Mas acontece em alguns sítios. Temos de proteger a qualidade e a eficiência da decisão e do acto médico. Nos hospitais que não cumprem os tempos, a modificação vai aumentar as listas de espera para consultas. O hospital tem de se organizar, ter mais médicos para poder acomodar esse tipo de trabalho”, diz o responsável pela secção Sul, admitindo que “vai haver pressão” sobre os profissionais.
Já Miguel Guimarães diz não estar à espera que directores clínicos e presidentes de conselhos de administração se oponham ou resistam a “uma matéria tão importante de boas práticas”.
“Temos que definitivamente deixar de estar presos às métricas numéricas e temos de introduzir métricas de qualidade, que trazem amplos benefícios ao sistema de saúde. Estarmos reféns de métricas numéricas é o maior erro dentro Serviço Nacional de Saúde”, defende.
Quanto a efeitos práticos, o bastonário refere que “os hospitais têm de ter mais médicos para manterem o mesmo nível de consultas ou mais consultas abertas”. Nos centros de saúde, o cumprimento dos tempos pode passar “por ter menos utentes na lista” de cada médico de família.
Miguel Guimarães lembra que os vários ministros têm reconhecido que “tem de haver menos utentes nas listas”, considerando que o regresso aos 1550 por médico é o mais adequado. Este número foi revisto para 1900 aquando da intervenção da troika.
Queixas de doentes
Alexandre Valentim Lourenço refere que cerca de metade das queixas de doentes que chegam à Ordem — muitas enviadas pela Entidade Reguladora da Saúde — “prendem-se com a falta de tempo e com a marcação sobreposta e com o doente não ter falado o tempo suficiente com o médico”. Só na secção Sul, adianta, no ano passado, “em 700 reclamações, cerca de 300 eram por questões de comunicação”.
Após terminada a discussão pública e a integração dos contributos, a proposta final será levada à assembleia de representantes da Ordem dos Médicos para aprovação. O documento final será então publicado em Diário da República como regulamento da Ordem, com efeitos imediatos. O bastonário reconhece que será preciso “um tempo de adaptação”, mas espera que até ao final do ano as normas estejam aplicadas.
Os tempos padrão definidos, diz Miguel Guimarães, “são para aplicar no sector público, privado e social”. “O Ministério da Saúde pode não seguir, mas os médicos e os doentes passam a ter aqui uma protecção”, afirma Miguel Guimarães, lamentando, contudo, que o sistema de saúde nem sempre respeite as regras. Dá o exemplo da Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, que chegou a ter um anestesista sozinho por altura do Natal, e da urgência pediátrica do Hospital Garcia de Orta, em Almada, que tem funcionado apenas com um especialista. “Vai contra todas as regras das boas práticas.”
“Vou alertar todos os médicos que não devem aceitar trabalhar em condições que não ofereçam completa segurança clínica”, diz. “Para ajudar estamos sempre a trabalhar em cima da linha vermelha e não vejo muita vontade do Ministério da Saúde em resolver a situação.”
Fonte: Público
Foto: Regis Duvignau/Reuters