Nova lei de identidade de género permitiu mudar nome a doze menores

Seis meses depois, as associações concordam que os problemas não estão na aplicação da lei, mas sim no que falta ainda fazer nas áreas da saúde e da educação.

Doze jovens com idades entre os 16 e os 18 anos mudaram de nome e de género no cartão de cidadão desde que entrou em vigor a lei da autodeterminação da identidade de género, alterada em Agosto do 2018.

De acordo com dados do Instituto de Registos e Notariado (IRN), enviados à agência Lusa, nos últimos seis meses, desde a entrada em vigor da nova lei, a 8 de Agosto, houve doze jovens que fizeram esse pedido junto das conservatórias do Instituto de Registos e Notariado, todos para nomes masculinos.

Desses doze, onze registaram-se até 31 de Dezembro de 2018, havendo apenas um já em 2019.

O filho de Cristina é um dos doze jovens que compõe as estatísticas do IRN, para quem a mudança do nome no cartão de cidadão era uma urgência e a necessidade óbvia para quem sabia desde os quatro anos que tinha nascido com o género errado.

O processo hormonal começou aos 16 anos e, agora que tem 18 anos, já conseguiu a autorização da parte da Ordem dos Médicos para avançar para as cirurgias de mudança de género.

"Para o Daniel era uma coisa que era muito importante, tanto que a lei entrou em vigor e no dia em que ela entrou em vigor, eram oito da manhã e o Daniel estava à porta do Registo Civil. Fomos os primeiros a chegar", lembra Cristina.

Segundo a mãe de Daniel a conservatória não estava ainda preparada para aquele tipo de pedidos, "não tinha critérios, nem os requerimentos". "Passados dois, três dias, tinha o nome alterado", contou.

De acordo com Cristina, a urgência em mudar o nome tinha a ver com a importância da identificação pessoal e da autodeterminação de Daniel, permitindo que, em qualquer situação, pudesse mostrar o seu cartão de cidadão e que isso reflectisse a forma como ele se via.

"No caso do Daniel, ele sempre foi uma criança com um aspecto masculino e na escola é complicado quando às vezes numa chamada na aula ou noutra situação tratarem-no pelo nome que ele nunca quis", exemplificou.

Acabou por não ser possível aferir o impacto do novo cartão de cidadão na escola porque quando mudou de nome já tinha terminado o 12.º ano, mas serviu para "ir à escola e pedir um certificado de habilitações com o nome que ele sempre quis".

Os objectivos de longo prazo agora passam por iniciar e terminar as cirurgias, mas também por tentar ingressar no curso de piloto da Força Aérea.

A nova lei de identidade de género trouxe o direito à autodeterminação da identidade e expressão de género e veio permitir a mudança da menção do nome e do sexo no registo civil a partir dos 16 anos, mas com a obrigatoriedade de um relatório médico para atestar a vontade dos menores com idades entre os 16 e os 18 anos.

Este relatório médico, que pode ser subscrito por qualquer médico ou psicólogo inscrito nas respectivas Ordens, foi incluído para corresponder a um pedido feito pelo Presidente da República, que, inicialmente, vetou a lei.

Centenas de pessoas pediram ajuda
Centenas de pessoas pediram ajuda à ILGA e à AMPLOS — Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual por causa da lei de identidade de género, que permite mudar nome e género a partir dos 16 anos.

Hoje completa seis meses da entrada em vigor da alteração à lei da autodeterminação da identidade de género, que veio permitir a mudança de nome e de género no cartão de cidadão a partir dos 16 anos, sendo, no entanto, necessária a entrega de uma declaração médica que ateste a vontade dos menores.

Em declarações à agência Lusa, Marta Ramos, da Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo (ILGA) Portugal, revelou que a associação recebeu vários pedidos de ajuda e de informação, tanto de pessoas "trans" como das suas famílias, sobre os procedimentos ao nível das conservatórias do registo civil.

"O boom foi Agosto e Setembro, mas desde Agosto eu diria que recebemos cerca de 100 pedidos de informação", adiantou.

De acordo com a responsável, a ILGA acompanhou, sobretudo, situações de jovens "trans" com dificuldade em mudar o nome e o género no cartão de cidadão "por falta de conhecimento das conservatórias".

"Não sabiam que deixou de ser obrigatório apresentar declaração médica de diagnóstico", apontou, explicando que a alteração legislativa define a entrega de uma declaração médica que ateste a vontade dos menores com idade entre os 16 e os 18 anos, deixando de ser obrigatória a entrega desta declaração a partir dos 18 anos.

No entanto, no balanço dos seis meses de aplicação da nova lei, Marta Ramos considerou que, "regra geral, o desenvolvimento e a aplicação da lei tem sido positivo".

Opinião idêntica tem a AMPLOS — Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual, à qual mais de 50 famílias em Lisboa e cerca de 20 no Porto pediram informações e ajuda para desbloquear processos.

"Do ponto de vista da mudança legal do nome nos registos, o processo tem sido bastante fácil, pelo menos logo a seguir à publicação da lei", adiantou a presidente da AMPLOS.

Margarida Faria deu como exemplo o caso de um jovem de 16 anos que se dirigiu a uma conservatória em Lisboa e a quem foi recusada a entrega de documentação médica com a explicação de que apenas era necessária a declaração a atestar que ele estava capaz de decidir por ele próprio.

"Mas, de acordo com a lei não podia ser", defendeu.

Ambas as associações concordam que os problemas não estão na aplicação da lei, mas sim no que falta ainda fazer nas áreas da saúde e da educação.

Fonte: Público