Notários concluíram 14% dos inventários num tempo médio de 21 meses
Números são de auditoria da Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça. Mais de 70% das partilhas litigiosas concluídas pelos notários foram fechadas por acordo.
Uma auditoria da Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça, realizada no final de 2017, concluiu que os notários só terminaram 14% das 18.964 partilhas litigiosas de bens que deram entrada nos seus cartórios entre Janeiro de 2014 e Junho de 2017. O tempo médio dos processos fechados foi de 21 meses. Estes são os últimos dados estatísticos que o Ministério da Justiça dispõe sobre o processo de inventário.
A média de 21 meses que os notários demoraram é menos de metade dos 51 meses que se prolongaram os inventários que ainda corriam nos tribunais e foram concluídos em 2016. Mas é preciso avaliar os números com cautela. “Este indicador, embora positivo, terá de ser considerado com alguma reserva, atento o número reduzido de processos findos e a circunstância de muitos não chegarem a conhecer decisão homologatória [acto de validação que cabe a um juiz]”, lê-se no relatório que pretendia fazer um balanço do regime que entrou em vigor em Setembro de 2013, atribuindo aos notários a responsabilidade para decidir as partilhas litigiosas de bens.
Dos 2722 inventários concluídos nesses dois anos e meio, 71% foram resolvidos por acordo e apenas 766 por imposição do notário. Nessa altura, existiriam mais 1020 casos cuja decisão final do notário tinha sido validada por um juiz, mas que formalmente não estavam dados como encerrados. Tal, a confirmar-se, notava a inspecção-geral, determinava uma subida dos processos concluídos para 20%. Formalmente, no entanto, continuavam pendentes perto de 16 mil das quase 19 mil partilhas litigiosas que deram entrada nos notários nesses dois anos e meio.
E apesar de seis notários terem conseguido uma taxa de resolução de 100% eram muitos mais os que apresentavam uma taxa de resolução de 0%. Num grupo de 43 que receberam mais de 100 processos, seis não tinham qualquer acção fechada. A situação mais grave era a de um cartório em Braga com mais de 200 processos entrados e que não tinha concluído qualquer acção.
Aníbal Costa, notário em Vila Nova de Famalicão, está no ranking dos piores: tem actualmente cerca de 170 inventários pendentes e, desde Setembro de 2013, concluiu à volta de dez, segundo o próprio. Revoltado com a imposição de decidir partilhas litigiosas, explica que já fez queixa ao Presidente da República, à ministra da Justiça e à provedora de Justiça. “Face ao tempo que gastamos e às custas que somos obrigados a cobrar o processo de inventário dá um euro à hora”, protesta. E garante que não tem capacidade para dar andamento aos processos que lhe chegam, já que por um euro à hora não consegue contratar ninguém. “Os processos de inventário são litigiosos e os litígios resolvem-se nos tribunais”, acredita Aníbal Costa, que considera que aos notários falta autoridades e instalações para lidar com estes casos.
Apesar do atraso, nunca foi alvo de qualquer processo disciplinar. Até meados de 2017, o Conselho Supervisor da Ordem dos Notários, tinha instaurado 46 inquéritos, mas apenas três processos disciplinares.
A auditoria sublinhava que os notários que tinham resolvido todos os litígios de partilha de bens tinham um número de processos residual, 11 no máximo. Na lista dos 43, o cartório que apresentava uma taxa de resolução mais elevada tinha concluído 67 dos 175 processos entrados (38%). Cristina Ramos é a notária em causa e garante que só conseguiu essa taxa - que entretanto já subiu para cerca de 50% - “com muito sacrifício pessoal”.
A notária, que também preside ao Conselho Supervisor, sustenta que nas zonas rurais o valor dos inventários é baixo apesar de haver muitos herdeiros, o que os torna “muito mal pagos”. Mas o brio profissional impõe que não faça contas a isso. Cristina Ramos acredita que no início houve relutância dos notários em aceitar as novas competências, mas garante que a maioria dos colegas acabou por se adaptar. “Prestamos um bom serviço aos cidadãos. Mais célere”, sustenta. A experiência que adquiriu com mais de 25 anos a fazer acordos de partilha de bens é uma mais valia que destaca. Por isso, acredita que com um sistema concorrencial muitos vão continuar a recorrer aos notários.
Fonte: Público