Auditoria alerta para riscos de informática da Justiça na mão de empresas
Inspecção-Geral das Finanças diz que essa dependência cria problemas de “segurança e controlo da informação residente nas respectivas bases de dados”.
Uma auditoria realizada pela Inspecção-Geral das Finanças (IGF) à forma como são cobradas e registadas as receitas da Justiça alerta para a existência de riscos associados à “elevada dependência de empresas externas” no desenvolvimento e gestão das aplicações informáticas da Justiça.
O relatório, datado de Julho do ano passado, mas só agora divulgado, fala dos riscos associados à “segurança e controlo da informação residente nas respectivas bases de dados”. E concretiza uma situação “particularmente relevante, no âmbito do Sistemas de Custas Judiciais, em que existe uma completa dependência funcional da empresa Link Consulting”.
A auditoria centrou-se na actividade do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ) — que gere os recursos tecnológicos e financeiros do Ministério da Justiça e todo o seu património — entre 2014 e 2016.
Foi este instituto que contratou externamente o Sistema de Informação das Custas Judiciais, que faz o registo e controlo das receitas provenientes dos tribunais e permitiu cobrar nos três anos em análise 424 milhões de euros. Relativamente a esta aplicação, a IGF nota que foi uma empresa externa que a criou, a mesma que assegura a respectiva manutenção e gestão.
A Link Consulting controla igualmente a aplicação que emite os documentos únicos de cobrança (DUC), que permitem pagar as taxas de justiça e outros encargos associados a processos judiciais. Isto, além de possibilitar depositar à guarda do Estado rendas, cauções ou salários que estão a ser discutidos numa acção judicial. E também o Sistema de Pagamentos de Apoio Judiciário, que processa e controla os gastos com os advogados oficiosos, que representam quem não tem recursos para sustentar a sua defesa.
Os inspectores recomendam, por isso, ao IGFEJ que “adopte medidas que mitiguem a dependência de empresas externas em matéria de desenvolvimento e gestão de sistemas de informação do sistema judicial” e passe a assegurar o “controlo da gestão das aplicações informáticas sob sua responsabilidade”.
Face a esta crítica e, em sede de contraditório feito pela IGF, o presidente do IGFEJ, Joaquim Rodrigues, reconheceu “um problema sério de recursos humanos crescente nas áreas das tecnologias de informação e das obras”, que, segundo afirmava em Dezembro de 2017, “será objecto de uma proposta à tutela” baseada “nas exigências que hoje temos em matéria de segurança da informação”.
O PÚBLICO contactou o Ministério da Justiça para saber o que foi feito, mas não obteve resposta em tempo útil. Fonte da Link Consulting apenas sublinhou que esta é uma sociedade credenciada pelo Gabinete Nacional de Cibersegurança.
Outro problema detectado pela auditoria é a ausência de mecanismos de comunicação entre muitas das aplicações informáticas existentes na Justiça, o que, no caso das custas judiciais, “inviabiliza o cruzamento de informação e o estabelecimento de mecanismos automáticos de controlo”.
Tal permitia, por exemplo, que no final de 2016 existissem mais de meio milhão de pagamentos referentes a taxas de justiça — feitos através de DUC — que, embora efectuados entre 2003 e 2016, ainda não estavam contabilizados como receita nas contas do IGFEJ. No último dia de 2016, segundo a IGF, essa situação abarcava 75,4 milhões de euros, o que provocava “distorções materialmente relevantes nas contas” do instituto. Na base do problema está o facto de cada pagamento ter de ser associado manualmente pelos funcionários dos tribunais a um determinado processo. Quando tal não é feito, o IGFEJ não o regista como receita. A auditoria nota, contudo, que já durante a inspecção foi publicada uma portaria que poderá “mitigar esta situação”. Foi criado um campo obrigatório para indicar o número do pagamento quando o processo dá entrada electronicamente nos tribunais.
Os auditores consideram ainda que o buraco existente nas contas do IGFEJ desde 2008 não era no final de 2016 de 274,5 milhões de euros, como registou o instituto, mas de quase 287 milhões. O “buraco”, que chegou a ser de 326 milhões de euros, resultou do facto de o instituto ter usado em 2008 e 2009, por ordem do então Governo, dinheiro que tinha sob a sua alçada e estava à guarda de processos judiciais como se fosse receitas extraordinárias. A situação foi descoberta em 2010, numa auditoria feita pelo Tribunal de Contas (TdC) e, insiste o IGFEJ, a contabilização desse défice tem sido feita de acordo com as orientações do TdC.
Nas conclusões, critica-se ainda o facto de as aplicações existentes não permitirem conhecer o universo dos processos que beneficiem de apoio judiciário, “nem apurar com rigor o montante dos custos suportados pelo Estado com este regime”.
Fonte: Público