Lei de Bases da Saúde deixa cair estatuto do cuidador informal
Gestão dos estabelecimentos do SNS é prioritariamente pública, mas temporariamente pode ser feita por privados e sector social. Proposta de Lei de Bases da Saúde aprovada em Conselho de Ministros não define como.
Maria Belém Roseira, ex-ministra da saúde e coordenadora da comissão que foi nomeada pelo Governo para a revisão da Lei de Bases da Saúde, lamenta a ausência, no diploma aprovado nesta quinta-feira, de um artigo especificamente dedicado aos cuidadores informais — na proposta que tinha apresentado ao Executivo previa expressamente que viesse a ser criado um “estatuto do cuidador informal”.
“Para nós foi importante dignificar o papel das pessoas que exercem essas funções, para que haja o reconhecimento da sociedade. Assim [com a proposta aprovada em Conselho de Ministros nesta quinta-feira], não nos parece que fique adequadamente reconhecido em sede de lei de bases", diz Maria de Belém.
A proposta do Governo de Lei de Bases da Saúde mantém a existência de taxas moderadoras, com isenções e limites máximos de pagamento. E a possibilidade de hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) poderem ser geridos por entidades privadas ou do sector social. O diploma foi divulgado ao princípio da noite.
Na exposição de motivos, o Governo assume que o crescimento do sector privado tem sido, quase sempre, acompanhado “por efeitos negativos para o SNS”, por exemplo, “ao nível da competição por profissionais de saúde”, e que a proposta apresentada “é intencionalmente concisa”, para que o conteúdo “não restrinja desnecessariamente” a função executiva dos governos.
Maria de Belém considera, numa primeira apreciação do diploma aprovado, que é dado pouco ênfase à prevenção da doença e à promoção da saúde. “Parece mais uma lei de bases da doença do que da saúde. As pessoas não têm apenas direito a cuidados de saúde, têm direito a prestações de saúde. O que significa que a promoção da saúde e a prevenção da doença, que na nossa proposta era central, aqui aparece de forma mais genérica, com uma linguagem menos pedagógica.”
E acrescenta: o diploma do Governo “é uma lei técnica de saúde, mas não é uma proposta de lei de bases da saúde, é uma lei técnica sem filosofia”.
O PÚBLICO sintetiza a proposta do Governo, que ainda tem de ser discutida na Assembleia da República, onde já deram entrada outros dois projectos. Um do BE e outro do PCP.
1. Cuidadores informais
“A política de saúde deve incentivar a adopção de medidas promotoras da responsabilidade social, individual e colectiva, nomeadamente apoiando voluntários, cuidadores informais e dadores benévolos.” É esta a única referência aos cuidadores informais na proposta do Governo. O projecto que resultou da comissão de revisão liderada por Maria de Belém criava uma base para os cuidadores, onde previa que a lei estabelecesse o estatuto dos cuidadores informais e reconhecesse o “importante papel” dos mesmos. Referia ainda que os ministérios da Saúde e do Trabalho teriam de definir medidas de apoio aos cuidadores e às pessoas cuidadas.
A questão dos cuidadores não estava prevista na proposta que o BE entregou na Assembleia da República há seis meses. Mas o deputado Moisés Ferreira admite que este será uma das adendas que o partido quererá fazer. “Foi uma das boas propostas que resultou do grupo de revisão.”
2. Público vs privado
A proposta do Governo refere que, “primordialmente, a protecção da saúde é assegurada pelo SNS” e que a lógica da relação do público com os sectores privado e social “é de cooperação”, explicou a ministra da Saúde antes da apresentação do diploma aprovado em Conselho de Ministros, acrescentando que “a contratação de entidades terceiras é assumida, mas ela é claramente condicionada à avaliação da necessidade”.
Exclusividade dos profissionais de saúde é uma medida positiva, mas “paga-se”
Esta é uma ideia semelhante à que constava do documento da comissão de revisão, que também falava em cooperação entre sectores. Prevê-se a gestão de estabelecimentos públicos por parte de entidades privadas ou sociais. A proposta do Governo especifica que essa gestão é temporária e supletiva. Mas não define se a gestão se faz através de parcerias público-privadas ou através de outro tipo de contratos.
Moisés Ferreira aponta a existência de “ambiguidades e insuficiências” na formulação do executivo. “Diz que a gestão dos estabelecimentos é pública, mas que supletivamente pode ser cedida. O ministério disse que clarificava a relação público-privado, mas não nos parece que haja clarificação quando diz que funcionam em cooperação. Devia ficar claro que é complementar.” Contactado pelo PÚBLICO, o PCP, que defende o fim das parcerias público-privadas, não quis comentar uma proposta que ainda não conhecia.
3. Taxas moderadores
O Governo prevê a continuidade das taxas moderadoras no SNS, que rendem anualmente entre 160 e os 170 milhões de euros. “São previstas isenções em função da condição de recursos ou de doença e um tecto máximo”, disse a ministra Marta Temido. A proposta do grupo liderado por Maria de Belém sugeria a existência de limites ao montante a pagar por cuidado e por ano, “com o objectivo de proteger os beneficiários do pagamento excessivo por prestações públicas de saúde”.
4. Financiamento
O SNS deve ser financiado pelo Orçamento do Estado. Na pré-proposta previa-se que o financiamento público se devia aproximar da média da União Europeia. Essa referência foi substituída. Fala-se agora de “um valor mínimo” de financiamento. A despesa no sector corresponde a cerca de 12% a 13% da despesa global do Estado, ligeiramente abaixo da média internacional, que é de 15%.
Fonte: Público