BE quer saber, de uma vez por todas, que há com a regulamentação da canábis
Lei foi aprovada em junho e publicada a 18 de julho. Prazo de regulamentação, de 60 dias, foi largamente ultrapassado. Bloco exige saber porquê e não aceita a remodelação governamental como justificação. Entre os clínicos que seguem pacientes que fazem profilaxia com óleo de CBD cresce a apreensão.
"O governo já deveria ter publicado a regulamentação, conforme a lei o obriga, mas a verdade é que deixou ultrapassar o prazo e nem sequer cumpriu o prazo com que o próprio governo se comprometeu. (...) Por cada dia de atraso o governo adia também o acesso a terapêuticas comprovadamente eficazes e que se traduzem, em muitas situações, em melhoria da qualidade de vida de pessoas com determinadas doenças."
É a segunda vez que a bancada do BE questiona o executivo de António Costa sobre a regulamentação da lei que "regula a utilização de medicamentos, preparações e substâncias à base da planta da canábis, para fins medicinais", e que deveria ter sido apresentada 60 dias após a lei ser publicada - a 18 de julho. A primeira pergunta do BE, apresentada em 18 de setembro e secundada pelo PCP, que quis saber o mesmo, foi respondida a 22 de setembro, no Parlamento, pela então secretária de Estado da Saúde, Rosa Valente de Matos, que se comprometeu a apresentar a regulamentação ainda durante aquele mês ou o início do seguinte. Mas setembro e outubro passaram e nada.
"Por cada dia de atraso o governo adia também o acesso a terapêuticas comprovadamente eficazes e que se traduzem, em muitas situações, em melhoria da qualidade de vida de pessoas com determinadas doenças."
Agora, o BE volta à carga, perguntando o porquê do atraso e qual a data prevista para a publicação da regulamentação.
Foi ao Infarmed que o governo entregou a tarefa de preparar a regulamentação, e que os sinais dados pelo regulador do medicamento desde a aprovação da lei levaram BE e PCP a pedir ao governo que "orientasse" aquele instituto na interpretação do diploma.
Vazio legal continua
Em causa estavam relatos de familiares de pacientes com epilepsias raras que fazem terapêutica com óleo de canabidiol (CBD, um extrato não estupefaciente de canábis), remetidos pelo Infarmed para a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária quando estes lhe pediram autorização para importar a substância.
Estes relatos, que o DN tem vindo a publicar desde março, incluem o de Maria João Rezende, o qual atesta que, após uma primeira situação, em abril, na qual o Infarmed lhe deu autorização para desalfandegar uma remessa importada dos EUA de óleo de CBD, a própria presidente do Infarmed, Maria do Céu Machado, lhe comunicou, em julho (já após a aprovação da lei), que o organismo que superintende "não pode ajudá-la" a importar o óleo que a sua irmã utiliza para controlar as convulsões, por estar classificado no país de origem, os EUA, como suplemento alimentar. Em virtude desse facto, a presidente do Infarmed remeteu Maria João para a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária, a qual, como o DN relatou, negou ter qualquer responsabilidade na matéria, afirmando que, como se trata de um produto para uso terapêutico, está sob a tutela do Infarmed.
"Havia um vazio legal sobre o estatuto destas substâncias. O espírito da lei para nós é muito claro: que se clarifique o quadro legal destas substâncias".
No seu requerimento de 18 de setembro, o PCP exigia "medidas imediatas, antes da publicação da regulamentação da lei, de forma a permitir que os doentes a quem foi prescrito óleo CBD tenham acesso a ele através de (...) uma autorização (...) emitida pelo Infarmed". E chamava a tenção para o facto de a lei estabelecer, no seu artigo 11.º, uma disposição transitória, segundo a qual o Infarmed teria de determinar "quais os medicamentos, preparações e substâncias à base da planta da canábis, atualmente existentes, que estão em condições de ser utilizados para fins terapêuticos e medicinais". O que, como explicou ao DN a deputada comunista Carla Cruz, significará que "no período pré-regulamentação, o Infarmed tinha de ter identificado quais os produtos derivados de canábis que têm fins terapêuticos. Para que essa clarificação surgisse antes mesmo de a regulamentação ser publicada, permitindo o acesso a quem deles precisa". Porque, frisa, "havia um vazio legal sobre o estatuto destas substâncias. O espírito da lei para nós é muito claro: que se clarifique o quadro legal destas substâncias".
"No período pré-regulamentação, o Infarmed tinha de ter identificado quais os produtos derivados de canábis que têm fins terapêuticos. Para que essa clarificação surgisse antes mesmo de a regulamentação ser publicada, permitindo o acesso a quem deles precisa."
Não só essa clarificação não foi feita até agora como as poucas empresas nacionais que comercializavam certos produtos de canábis, como o citado óleo de CBD, deixaram de o fazer. O motivo dessa retirada deve-se, de acordo com João Silva, consultor da Celeiro Integral, empresa sediada em Tomar que vendia óleo de CBD através do seu site, a "precaução": "É queconsideramos que a lei mete no mesmo saco canabinoides não psicoativos e canabinoides psicoativos, criando uma confusão muito grande. E o feedback que temos de outros países é negativo, tememos que a regulamentação mantenha esta confusão. Quem perde nesta situação é o doente, que encontra nesta substância efeitos que não encontra em mais nenhuma. Porque ninguém vai ao CBD como primeiro tratamento, chega lá depois de experimentar muitos outros."
Questionado pelo DN em outubro, o Infarmed certificou que a regulamentação já tinha seguido para o ministério; na mesma altura - antes ainda da regulamentação -, a assessoria de imprensa deste não se comprometeu com uma data. Clínicos ouvidos pelo DN exprimem apreensão quanto às indicações terapêuticas que serão admitidas para os produtos derivados da canábis, pondo a hipótese de a regulamentação não vir a dar resposta às necessidades dos pacientes.
Fonte: Diário de Notícias
Foto: © Tilray