Habitação - Contratos de arrendamento com renovação automática por três anos
Duração de contratos de arrendamento passará novamente a ser fixada por lei: tem duração mínima de um ano, e renovação obrigatória nos primeiros três. Iniciativas sobre arrendamento acessível e benefícios fiscais deverão ser decididas esta terça-feira, antes de ser enviado de novo para AR
Os contratos de arrendamento urbano para fins habitacionais vão voltar a ter duração mínima fixada por lei. A “liberalização” da duração dos contratos criada com a chamada Lei Cristas, em 2012, vai desaparecer depois dos deputados terem assinalado, no grupo de trabalho da Habitação (onde esta a decorrer a votação indiciária dos mais de vinte diplomas que compõem o chamado “pacote da habitação”), as alterações ao Código Civil que definem que a duração dos contratos passa a ter um mínimo de um ano e um máximo de 30 (artigo 1095º), e que a renovação passa a ser automática por períodos de igual duração, durante um “mínimo de três anos” (artigo 1096º). Na prática, e salvo estipulado em contrário, mesmo que estabeleça um contrato com a duração de um ano, um senhorio não se poderá opôr à sua renovação durante pelo três anos. Por seu turno, o inquilino poderá não renovar o contrato, bastando-lhe para tal dar conhecimento ao senhorio.
Estas foram as propostas apresentadas pelo Partido Socialista, com o objectivo de dar maior estabilidade e duração aos contratos de arrendamento, e que receberam apoio do PCP e do Bloco de Esquerda. Aliás, a proposta do BE para este artigo era a de que os contratos passassem a ter duração mínima de cinco anos.
A lei define quais as situações em que esta duração mínima de três anos se aplica – o senhorio só se pode opor à renovação no caso de precisar da habitação para si próprio ou para descendentes directos. No caso dos arrendamentos não habitacionais, e mesmo que o contrato indique um período menor, fica estipulado que nos primeiros cinco anos o proprietário não se pode opôr à renovação do contrato. E que, salvo indicação em contrário, os contratos terão renovação automática por períodos de cinco anos.
Todas estas alterações deverão ainda ser votadas em Comissão do Ambiente e Ordenamento do Território, e depois aprovadas no último plenário antes do arranque dos trabalhos de discussão e aprovação da proposta de Orçamento do Estado para 2019, e que começa na próxima segunda-feira, dia 29 de Outubro. Pelo menos, foi essa a garantia dada tanto pela coordenadora do grupo de trabalho da Habitação, a deputada independente Helena Roseta, como do coordenador da Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação, o bloquista Pedro Soares.
Outras alterações relevantes já aprovadas em sede de votação indiciária dizem respeito ao 1041º do Código Civil que passará a definir que a mora por atraso na renda passa de 50% para 20%, que o fiador tem de ser notificado do atraso em 90 dias e que o senhorio só pode exigir direitos junto do fiador após notificação; nos contratos em regime de renda apoiada o senhorio pode, no âmbito de acordo de regularização de dívida, reduzir ou dispensar a mora. A resolução do contrato por atraso no pagamento (artigo 1083º), passa a poder ser feita após informação ao arrendatário por carta registada depois do terceiro atraso.
Renda acessível adiada
Do amplo pacote de propostas de lei, projectos de lei e propostas de alteração que está na mesa de discussão dos deputados foi sempre deixada para o final aquelas que implicam alterações fiscais, nomeadamente benefícios a dar aos proprietários. Isto porque a maioria de esquerda que tem dado sustento à solução governativa encabeçada por António Costa não se entende em todos os aspectos, principalmente na questão dos benefícios fiscais a dar aos proprietários – o Governo propõe isentar em sede de tributação de IRS os rendimentos auferidos pelos proprietários que coloquem imóveis no mercado de arrendamento acessível (um novo segmento de mercado proposto pelo Governo, e que é definido através da fixação de rendas 20% abaixo do valor praticado no mercado).
Em entrevista ao PÚBLICO, o agora ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes, e que tem a pasta da habitação, disse estar confiante no trabalho que o grupo Parlamentar do PS estava a fazer nas negociações deste diploma e afirmou mesmo que não via nenhuma razão para ele não ser aprovado. A verdade é que ele não chegou a ser votado até agora, precisamente por haver essa percepção de que haveria dificuldades em fazê-lo aprovar.
Aliás, o Partido Comunista divulgou uma nota de imprensa na qual dava conta da sua oposição a medidas de atribuição de benefícios fiscais, mas admitia que poderia acompanhar “na globalidade as alterações ao Novo Regime de Arrendamento Urbano” caso o PS retirasse a proposta que, no entender do PCP, implicava a “aceleração dos despejos”.
As dificuldades em sair do impasse em alguma das questões foi visível, por exemplo, na votação sobre as alterações ao Balcão Nacional de Arrendamento (BNA), um mecanismo extrajudicial para resolução de conflitos criado com a chamada lei Cristas, e que o BE e o PCP apresentaram propostas para revogar. A proposta do Governo, porém, passa por uma alteração do nome, e a criação de "um serviço de injunção em matéria de arrendamento”, onde também os inquilinos poderão, por exemplo, interpor processos que obriguem os senhorios a fazer obras. Esta parte foi aprovada, mas o resto das votações relativas ao BNA acabaram adiadas para esta terça-feira.
Foi por causa de todas estas negociações, e da pouca certeza em conseguir ver as suas propostas viabilizadas, que o grupo parlamentar do PS pediu o adiamento das votações, arrastando-as para esta semana. O PÚBLICO sabe que Governo e PS tem tentado perceber se é possível viabilizar as propostas de benefícios fiscais junto dos partidos da direita, uma vez que também o CDS-PP e o PSD apresentaram propostas nesse sentido.
O impacto orçamental das propostas fiscais foi uma das razões que, oficialmente, fizeram atrasar as votações, com o grupo de trabalho a pedir pareceres a várias entidades. A última a ser consultada foi a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), que funciona na Assembleia da República, e que fez varias considerações aos projectos que estão em discussão, mas afirmou não ter condições para fazer avaliações qualitativas. O relatório da UTAO põe em causa a eficácia das medidas de natureza fiscal, dizendo que a instabilidade a que são votadas trazem “um efeito perverso sobre a confiança dos agentes económicos". E defende um conjunto articulado de intervenções estruturantes dirigidas ao lado da oferta.
Fonte: Público