Comissão de Protecção de Dados investiga queixas contra emissão de facturas

Organismo recebeu três denúncias. Em causa está a informação dos consumidores que consta nas facturas, ao abrigo da lei.

A Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) está a averiguar uma possível transmissão de informações sobre a vida privada dos consumidores através das facturas entregues pelas empresas todos os meses à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

Com a nova lei, em vigor desde Janeiro, os comerciantes e operadores económicos são obrigados a emitir factura em qualquer acto de venda ou prestação de serviço e têm de a submeter electronicamente no portal das finanças. Ao mesmo tempo, para ter direito ao benefício fiscal no IRS, os contribuintes são obrigados a fornecer o nome e o número de identificação fiscal. E é essa informação que está a suscitar dúvidas.

Nas últimas semanas têm circulado emails que interrogam a forma como está a ser feita a protecção "de dados privados". É que, ao receber os dados dos consumidores, o fisco terá alegadamente acesso aos seus hábitos de consumo. Saberia, por exemplo, a que horas um contribuinte tomou o pequeno-almoço e o que comeu, em que oficina tem o carro a reparar, em que hotel ficou hospedado ou onde corta o cabelo.

Clara Guedes, do serviço de informação da CNPD, confirmou ao PÚBLICO que já chegaram três denúncias ao organismo que controla e fiscaliza o processamento de dados pessoais. A CNPD "já está a averiguar" e fará esclarecimento público quando concluir o processo. Não foi possível obter comentários do Ministério das Finanças.

A reforma da facturação é encarada pelo Governo como "decisiva" para combater a economia paralela. Até Dezembro do ano passado, o consumidor final era obrigado a exigir comprovativo de compra apenas a empresários em nome individual e profissionais liberais. Agora, todas as transacções comerciais passaram a ter factura obrigatória, mesmo quando não é solicitada pelo consumidor. A medida abrange todos os sectores económicos, desde restauração, cabeleireiros, hipermercados ou oficinas de reparação de automóveis. A Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais já esclareceu que as acções de fiscalização abrangem não só os comerciantes mas também os consumidores e podem ser feitas à saída dos estabelecimentos comerciais para garantir que os clientes "exigem efectivamente as facturas pelas compras realizadas".

Na semana passada, a AT instaurou "diversos processos de contra-ordenação" a consumidores que não exigiram factura, resultado de acções de fiscalização experimentais. A prática de multar consumidores não é comum a qualquer outro Estado-membro da União Europeia. A Directiva da Facturação (2010/45) não prevê, aliás, a identificação do adquirente (cliente) que não seja sujeito passivo.

Para os contribuintes conseguirem reaver 5% do IVA pago em despesas com reparação de automóveis e motociclos, restauração, alojamento, cabeleireiros e institutos de beleza, todas as facturas têm de ser inseridas no sistema das Finanças (portaldasfinanças.gov.pt). Como refere a Deco na sua página oficial, o fisco só contabiliza as facturas que estiverem no sistema. Cabe ao comerciante e a quem prestou o serviço enviar para a AT as factures que emite, com número de contribuinte do cliente (podem ser consultadas online).

Os consumidores podem confirmar se o documento foi inserido e ter acesso a todas as facturas que foram introduzidas em seu nome ­- pode demorar até dois meses até estarem disponíveis, alerta a Deco. Se o comerciante não tiver registado a venda, terá de ser o consumidor a fazê-lo. Só assim o fisco considera os documentos para a dedução.


Fonte: Jornal O Público