PGR abre inquérito a violação do segredo de justiça no caso Monte Branco

A procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, anunciou nesta segunda-feira a abertura de um inquérito, "tendo em vista a investigação do crime de violação do segredo de justiça" no caso Monte Branco. Em causa está a divulgação de escutas que incluem uma conversa em que participa o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho

Num comunicado emitido nesta tarde, a PGR começa por esclarecer que "não existem nos autos quaisquer suspeitas da prática de ilícitos de natureza criminal" por parte do líder do Governo. Mais acrescenta que "o processo encontra-se em segredo de justiça (...) pelo que não é possível prestar mais informações" sobre o caso.

O processo Monte Branco envolve quatro banqueiros portugueses e suíços e um cambista, detidos em Maio por suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais. Passos Coelho terá participado numa conversa telefónica escutada durante a investigação.

Como o PÚBLICO noticiou na semana passada, no quadro das averiguações ao caso, a Polícia Judiciária “tropeçou” em conversas telefónicas que envolveram José Maria Ricciardi, do Banco Espírito Santo Investimento (BESI), e o ministro dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, e assessores financeiros nas privatizações da EDP e da REN.

Um dos contactos versou sobre a decisão do Ministério das Finanças de entregar, por ajuste directo, à norte-americana Perella Weinberg, a consultoria financeira das duas operações, decisão que gerou polémica. Outro tema abordado prendeu-se com a proposta alemã que disputou a final com a chinesa.

O Ministério Público tem na sua posse gravações de conversas entre Miguel Relvas e José Maria Ricciardi, escutado entre Setembro de 2011 e Fevereiro deste ano, no quadro da recolha de informações (e não de recolha de provas) para ajudar a "desmantelar" o caso Monte Branco.

Trata-se da maior rede de sempre de fuga ao fisco e de branqueamento de capitais a operar em Portugal, com ligações ao banco suíço de investimento UBS. Desmantelada em Maio, pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), a operação levou a várias detenções, incluindo a do cabecilha Michel Canals. Ricciardi diz que não conhece Canals e garante que não foi constituído arguido nem chamado a prestar declarações. Fontes policiais asseguraram ao PÚBLICO que o nome de Relvas não aparece ligado ao caso Canals.

O Ministério Público tem, ainda, em cima da mesa outra investigação, esta associada à conduta de assessores financeiros do Estado, nas privatizações da REN e EDP, o que deu origens a buscas policiais ao BESI, à Caixa BI e à Parpública SGPS.

No último sábado, o semanário Expresso noticiou que também Pedro Passos Coelho foi escutado num telefonema com Ricciardi. Este admitiu a possibilidade de o Governo de Passos Coelho poder ceder a pressões políticas da União Europeia e acabar por vender a posição que o Estado detinha na EDP à proposta alemã, ainda que esta não apresentasse o melhor preço e as condições mais favoráveis. O primeiro-ministro foi abordado pela chanceler Angela Merkel para que vendesse 21,35% da EDP à alemã E.ON.

Numa carta ao PÚBLICO, em resposta a uma notícia deste jornal sobre conversas entre o presidente do BESI e Miguel Relvas, que foi enviada a outros órgãos de comunicação social, Ricciardi reconhece ter falado sobre o tema da privatização da EDP com vários membros do Governo, cujos nomes não especifica.

O banqueiro defende que tal "não traduz ilicitude, irregularidade ou sequer censura que se questione eventualmente um membro do Governo sobre se há intenção de ceder a pressões políticas promovidas pelas lideranças europeias, amplamente divulgadas na imprensa de então". Entre os governantes, sabe o PÚBLICO, estão o primeiro-ministro e o ministro adjunto dos Assuntos Parlamentares.

Passo Coelho, por seu lado, reagiu com críticas à violação do segredo de justiça em relação a essa escuta e com serenidade sobre o conteúdo da mesma. “É preciso saber o que se passou para essa ilegalidade ter acontecido, quem é responsável por esse segredo de justiça ter sido quebrado. O jornal parece ter mais informação do que eu”, afirmou aos jornalistas, à saída do Conselho Nacional do PSD, em Lisboa, no sábado.

Na mesma altura, o primeiro-ministro disse estar “muito consciente” das suas conversas ao telefone e garantiu “não ter nenhum receio de que venham ao conhecimento público”. “Se a notícia tem fundamento, qualquer que seja a conversa tenho todo o prazer que essas escutas sejam tornadas públicas”, acrescentou.

Fonte: Público