Petição a favor da residência partilhada vai ser discutida na AR

A ideia base da petição é a de que a residência partilhada entre pai e mãe seja a norma e não a exceção à regra

A Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos (APIPDF) recolheu mais de quatro mil assinaturas para a petição em prol da presunção jurídica da residência alternada para crianças de pais e mães separados ou divorciados, que será discutida na Assembleia da República, anunciou nesta terça-feira aquela associação.

A petição tem como propósito pedir à Assembleia da República que discuta e proceda à alteração do Código Civil para residência alternada.

Em causa, explicita a APIPDF, está o combate aos "conflitos parentais que têm afetado 6 a 8 mil crianças todos os anos e a promover a paz social que a desigualdade entre progenitores não tem gerado", lutando pela residência alternada que, argumenta a associação, "continua a não ter legitimidade na legislação portuguesa. Em grande parte, porque é encarada na doutrina jurídica e nas práticas judiciais como um regime de excepção ou prejudicial para a criança, por influência de concepções estereotipadas sobre esta nova forma de família".

Por ter reunido as 4200 assinaturas de cidadãos necessárias, a petição terá de ser apreciada em Plenário da Assembleia da República. Antes, a Comissão parlamentar competente nesta matéria terá 60 dias para elaborar um relatório. A APIPDF espera com esta petição, entregue à Assembleia da República, clarificar as posições dos partidos acerca da matéria e ver elaborado um "Projeto Lei de um deputado/a ou de um Grupo Parlamentar".

O presidente da APIPDF, Ricardo Simões, disse há uns dias ao DN esperar que aconteça, em breve "o mesmo que sucedeu com a questão da eutanásia: houve uma petição, foi discutida, levou a iniciativas partidárias e houve uma nova discussão do tema". E até pode acontecer o mesmo: que venha a ser chumbado. O que verdadeiramente interessa à Associação é "trazer o debate a público", defende Ricardo Simões.

Leia a petição

"Nas últimas duas décadas, a comunidade científica que se dedica ao estudo das famílias formadas pelo divórcio ou pela separação comprovou, repetidamente e em uníssono, numa vasta variedade de pesquisas publicadas, que a residência alternada é a estrutura familiar que melhor atende quer às necessidades da criança (físicas, psicológicas, emocionais, sociais e materiais), quer à igualdade entre mulheres e homens no envolvimento parental e na articulação trabalho-família, quer, ainda, ao bem-estar emocional, familiar e social de mães e pais", lê-se no texto da petição.

Sofia Marinho, socióloga da família que é coordenadora científica e primeira autora da obra Uma família parental, duas casas, é uma das mais citadas nesse texto.

Ao DN, a investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa aponta uma "falta de conhecimento e de formação dos profissionais que lidam com essas questões" face às "alterações familiares dos últimos 40 anos, mais prementes na última década", e considera que os principais atores da mudança "são os pais, as mães e as crianças, que pedem para estar com o progenitor não residente". Além desses, acrescenta, "existem juízes, alguns advogados e mediadores [familiares] que começaram a fazer trabalho neste sentido. Desde 1995 há juízes que atribuem sentenças de residências alternadas".

Sofia Marinho cita dados do Ministério da Justiça de 2006 que apontam para 3% de situação de residência alternada por via legal. Este modelo de residência partilhada, recordou, surgiu no final dos anos 1970 nos Estados Unidos. "Depois foi tomando corpo, deu origem a mudanças legislativas."

A investigadora lembra que a questão está presente na Carta dos Direitos da Criança - artigo 9º: "Os Estados Partes devem respeitar o direito da criança que foi separada de um ou de ambos os pais a manter regularmente relações pessoais e contacto direto com ambos, salvo nos casos em que isso for contrário ao melhor interesse da criança" - e no universo europeu, nomeadamente com o ponto 5.5 da Resolução 2079 do Conselho da Europa, onde é pedido aos Estados membros para introduzirem o princípio da residência alternada no seu ordenamento jurídico.

Quanto à situação portuguesa, considera Sofia Marinho, "é preciso dar muita formação aos técnicos, juízes, advogados, técnicos da segurança social. Carregam muitos preconceitos. Faz falta terem contacto com estudos sobre as famílias que se fazem em Portugal. Tudo isso é ignorado e depois cometem-se erros porque se a olha para a realidade com óculos que têm 30 ou 40 anos."

Entre os principais preconceitos está a diferença entre homem e mulher - veja-se que a esmagadora maioria das crianças reside com a mãe. "Há dois campos de preconceitos: a incompetência do pai e as competências inatas da mãe. Nada disso é uma realidade. As crianças precisam dos dois, e dos avós, de todos os cuidadores."

Quanto à lei do divórcio de 2008, "inovadora à época", que alterou o Código Civil e estabeleceu as regras do "exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento", responsabilidades essas que são "exercidas em comum por ambos os progenitores", num exercício que cabe "ao progenitor com quem a criança reside habitualmente", Sofia Marinho afirma que "a partilha dessas responsabilidades ocorre sobretudo nas residências alternadas. Este regime [de residência única] não é amigo dessa partilha, um deles tem mais poder."

Sofia Marinho lamenta que não haja números que permitam ter uma perceção do número de núcleos familiares na situação de residência alternada. "Em Portugal não temos estatística demográfica com a situação das crianças", refere a investigadora, apontando o número de crianças em núcleos monoparentais e recompostos dos Censos de 2011: quase 449 mil.

Fonte: Diário de Notícias