Comissão de protecção de dados diz estar "muitíssimo deficitária" de meios
Novo orgânica da comissão ainda está a ser analisada na Assembleia da República. Deco e Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública preocupados com fiscalização.
Ao libertar as autoridades de controlo, como a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), das suas funções de controlo prévio, o regulamento europeu pretende um reforço da fiscalização, exigindo no próprio diploma que os Estados-membros dotem estas autoridades de "recursos humanos, técnicos e financeiros, instalações e infra-estruturas necessários à prossecução eficaz das suas atribuições". Tal não constituiria um problema, não fosse a própria comissão a alertar que "há vários anos que está muitíssimo deficitária desses meios".
Numa resposta escrita enviada ao PÚBLICO, a comissão presidida por Filipa Calvão, nota que os problemas de recursos existem "apesar de [o organismo] gerar receitas próprias bastante acima dos seus gastos". E acrescenta: "Com a aplicação do Regulamento-Geral de Protecção de Dados, essa situação tem inevitavelmente de mudar. Esperamos, por isso, que agora venhamos a ter todos os recursos necessários para poder desempenhar eficazmente a nossa acção fiscalizadora."
Contudo, a menos de um mês das novas regras começarem a ser aplicadas a estrutura da própria comissão, que conta actualmente com 24 funcionários, ainda está em aberto. A lei que executa o regulamento europeu e vai revogar a anterior lei de protecção de dados existente em Portugal, de 1998, remete para outro diploma a composição e funcionamento da CNPD, mas ambos os diplomas ainda estão para discussão na Assembleia da República.
A situação não tranquiliza Luís Pisco, jurista da Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (Deco), que considera que as novas regras trazem "novidades interessantes" para os consumidores. "Vamos ver como será aplicado. Não podemos esquecer que a presidente da comissão já veio publicamente assumir que não dispõe de meios para aplicar este regulamento", nota o jurista da Deco. Por isso, tem muitas dúvidas que enquanto não houver uma "reorganização da CNPD" seja possível identificar infracções às normas da videovigilância, por exemplo, a não ser que tenha havido uma denúncia.
Muito preocupado está o secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública, José Abraão, que nota que a videovigilância afronta um direito fundamental dos trabalhadores e dos cidadãos: a privacidade. O sindicalista teme que o fim do controlo prévio da instalação de sistemas de videovigilância nas empresas e entidades públicas dê origem a maiores arbitrariedades por parte dos empregadores, que muitas vezes vêem nas câmaras um "instrumento de controlo dos trabalhadores". José Abraão considera que a fiscalização a posteriori não é suficiente e teme que o novo regime traga mais conflitualidade no ambiente de trabalho. O sindicalista ainda está expectante sobre como ficará a versão final da lei de execução do regulamento, mas não afasta a possibilidade de recorrer ao Tribunal Constitucional para reverter o fim do controlo prévio.
A proposta de lei de execução que está no Parlamento tem um artigo específico para a videovigilância que estabelece as limitações a estes sistemas, mas esta não deve ser a versão final já que a própria comissão foi chamada a dar parecer e em breve dará sugestões para melhorar o diploma. "De qualquer modo, depois de assente o novo regime, a CNPD pretende actualizar as suas orientações sobre videovigilância, para apoiar as empresas e as entidades públicas a cumprir melhor o novo regime de protecção de dados e, desse modo, a salvaguardar os direitos fundamentais dos cidadãos", afirma a comissão.
Fonte: Público