Ordem dos Advogados critica divulgação de vídeos de interrogatórios
Ordem condena "violação da lei" processual penal e dos direitos e garantias constitucionalmente protegidos dos arguidos
A Ordem dos Advogados (OA) criticou a divulgação televisiva de peças processuais do caso Operação Marquês e do inquérito à queda do BES.
Em nota publicada no 'site' da Ordem, o bastonário dos Advogados, Guilherme Figueiredo, e a Comissão de Direitos Humanos da OA repudiam o sucedido, dadas as "consequências nefastas que tem no equilíbrio dos interesses em presença", designadamente entre a liberdade de imprensa e os direitos fundamentais dos arguidos em processo penal.
"Concorde-se ou não com o regime legal estatuído no Código de Processo Penal no que concerne à divulgação pela comunicação social do conteúdo de atos processuais em processo criminal, o certo é que, em primeiro lugar, existindo lei em vigor, a mesma tem de ser cumprida. E uma violação de lei impõe, para reafirmação do império do Direito e para restabelecimento da paz social, que seja perseguida e sancionada", diz a OE.
Segundo a OE, mesmo que lei não existisse, a deontologia profissional do jornalista imporia sempre que a divulgação de informações relativas a processos criminais em curso não fosse filtrada unicamente por critérios, também eles jornalísticos, daquilo que se considera ser de interesse público.
"E é manifesto que a situação criada levou a que fossem tornadas do conhecimento público apenas `partes´ de interrogatórios e de `escutas´, ademais como suporte de prova da narrativa jornalística reclamada de investigação, não permitindo aos `julgadores populares' o acesso à integralidade das provas da mesma e igual natureza que possam infirmar ou mitigar as consequências que intelectualmente se retiram da escolha e decisão jornalística", diz a OE.
Tudo isto - prossegue a OE - "para já não referir, que manifestando as peças jornalísticas adesão a argumentos vertidos no texto da legitimamente conhecida acusação prolatada num dos processos contra os arguidos, tem a potencialidade de crispar a sociedade, violando um princípio base de paridade de armas".
Em seu entender, o procedimento utilizado não constitui apenas uma violação da lei processual penal vigente, pois "viola flagrantemente" os direitos constitucionalmente protegidos dos arguidos, contribuindo para "julgamentos populares totalmente desaconselháveis em sociedades democráticas saudáveis, ausentes de um contraditório capaz de formar uma opinião crítica".
Entretanto, o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) considerou "lamentável e deplorável" a divulgação na televisão de vídeos dos interrogatórios da Operação Marquês.
"O que está a acontecer é para nós absolutamente lamentável e deplorável", disse Manuel Ramos Soares, adiantando que "não há nenhum juiz que fique confortável com o que está a acontecer".
A SIC e a CMTV divulgaram vídeos de interrogatórios no âmbito do processo Operação Marquês, tendo na terça-feira o Ministério Público (MP) anunciado a abertura de um inquérito para investigar o sucedido.
Manuel Ramos Soares defende que o caso da divulgação das imagens deve ser investigado e que deve haver punição se houver indícios de crime.
"Exigimos que se investigue o que está a acontecer e se apure responsabilidade para que não se transforme numa regra", frisou.
O presidente da ASJP considerou que as imagens não demonstram nem a culpabilidade do arguido nem a sua inocência, classificando o caso como "um julgamento mediático ao lado de um processo", desvirtuando o que é a resposta processual.
O inquérito Operação Marquês culminou na acusação a 28 arguidos - 19 pessoas e nove empresas - e está relacionado com a prática de quase duas centenas de crimes de natureza económico-financeira.
José Sócrates, que chegou a estar preso preventivamente durante dez meses e depois em prisão domiciliária, está acusado de três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, 16 de branqueamento de capitais, nove de falsificação de documentos e três de fraude fiscal qualificada.
Entre outros pontos, a acusação sustenta que Sócrates recebeu cerca de 34 milhões de euros, entre 2006 e 2015, a troco de favorecimentos a interesses do ex-banqueiro Ricardo Salgado no Grupo Espírito Santos (GES) e na PT, bem como por garantir a concessão de financiamento da Caixa Geral de Depósitos ao empreendimento Vale do Lobo, no Algarve, e por favorecer negócios do Grupo Lena.
Além de Sócrates, estão acusados o empresário Carlos Santos Silva, amigo de longa data e alegado `testa de ferro´ do antigo líder do PS, o ex-presidente do BES Ricardo Salgado, os antigos administradores da PT Henrique Granadeiro e Zeinal Bava e o ex-ministro e antigo administrador da CGD Armando Vara, entre outros.
A acusação deduziu também um pedido de indemnização cível a favor do Estado de 58 milhões de euros a pagar por José Sócrates, Ricardo Salgado, Carlos Santos Silva, Armando Vara, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava e outros acusados.
Fonte: TSF