Novas regras das matrículas: acabam os "estratagemas" ou criam-se "danos colaterais"?
Vai ser mais difícil apresentar uma morada falsa para garantir lugar numa escola.
Há quem aplauda, quem duvide da sua eficácia, quem tema danos colaterais e quem o considere discriminatório e mesmo inacreditável. Se existe alguma certeza, para já, quanto ao novo despacho que estipula as condições de matrícula nas escolas do ensino básico e secundário, que foi publicado nesta quinta-feira em Diário da República, então é esta: as opiniões de pais e directores estão longe de ser unânimes.
O despacho assinado pelos secretários de Estado da Educação Alexandra Leitão e João Costa introduz regras mais apertadas no controlo das moradas apresentadas no acto da matrícula ou da sua renovação, introduz novas prioridades na distribuição das vagas de modo a dar prioridade aos alunos de meios carenciados e muda também a ordem de algumas das prioridades que já se encontravam estabelecidas para o acesso às escolas do ensino básico e secundário. Objectivos, segundo o Ministério da Educação (ME): garantir a “transparência e combate à fraude” e promover a “igualdade de oportunidades e superação das desigualdades económicas, sociais e culturais”.
Vai passar a ser assim obrigatório que aqueles que se apresentem como encarregados de educação comprovem esta condição mediante a apresentação “dos últimos dados relativos à composição do agregado familiar validados pela Autoridade Tributária”.
O Ministério da Educação esclarece que se mantém a possibilidade de delegar noutros a função de encarregado de educação. A diferença é que a partir de agora os encarregados de educação por delegação terão de provar que os alunos em causa residem mesmo nas moradas apresentadas, o que não sucedia. A prova será feita, como já referido, através dos dados transmitidos à Autoridade Tributária.
Mais concretamente, segundo especificou o ME em resposta ao PÚBLICO, terá de ser apresentado “o documento da autoridade tributária onde consta informação sobre o agregado familiar [composição e morada] e que se pode retirar do portal das Finanças”. Esta prova terá de ser apresentada não só no acto de matrícula, mas também nas renovações desta que “envolvam transição de ciclo ou transferência de estabelecimento”. Até agora, a renovação fazia-se automaticamente no caso das transições de ciclo no ensino básico.
Esta mudança surge na sequência da polémica desencadeada no ano passado com a denúncia, por parte de uma série de pais, de uma prática há muito conhecida: a apresentação de moradas falsas para garantir lugar nas escolas mais cobiçadas, como era o caso do Agrupamento de Escolas Filipa de Lencastre, em Lisboa. Um dos critérios principais na distribuição de vagas, que continua em vigor, é o de se residir, ou trabalhar, na área geográfica do estabelecimento de ensino seleccionado.
E os avós?
“É um grande passo para diminuir as fraudes, mas ainda não é suficiente”, comenta Marta Valente, uma das promotoras do movimento Chega de Moradas Falsas. Este movimento tinha apresentado várias outras sugestões ao ME que “não foram acolhidas” e que passavam, por exemplo, por se exigir no acto de matrícula que fossem apresentados comprovativos da posse ou arrendamento dos imóveis referidos nas moradas.
O presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), Jorge Ascenção, alerta para o risco destas novas regras virem a provocar “danos colaterais” que prejudicarão as famílias na medida em poderão pôr em causa a “rede de suporte” com que contam no dia-a-dia e que muitas vezes é protagonizada pelos avós. Para que esta rede funcione, a opção mais frequente é a de escolher a escola mais perto da morada dos avós, o que agora estará em causa, diz Jorge Ascenção.
“Só tivemos conhecimento do despacho hoje [quinta-feira], quando foi publicado em DR, mas alertámos logo a secretária de Estado Alexandra Leitão para este risco. Do ministério disseram-nos que irão ser enviadas algumas orientações às escolas no sentido de que algumas destas situações sejam ponderadas”, conta.
Já para o presidente da Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação, Rui Martins, a alteração aprovada vai "colmatar todos os constrangimentos e problemas que se têm levando", por tornar mais difícil "encontrar subterfúgios"
Fim dos "estratagemas"?
Para o presidente da Associação Nacional de Directores e Agrupamentos de Escolas Públicas, Filinto Lima, não subsistem dúvidas: “Vai ser uma machadada nos estratagemas utilizados por alguns pais para colocar os seus filhos nas escolas de forma ilegal”, afirma, para adiantar que, na sua opinião, esses “estratagemas”, consubstanciados na apresentação de moradas falsas, “têm os dias contados”.
Também Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, congratula-se pelo facto de ficarem “claramente definidos quem são os encarregados de educação e quais as prioridades nas matrículas”. Para Manuel Pereira, as novas regras vão impedir que “alunos que vivam a 100 metros da escola acabem por não ter lugar nela” e traduzem, por parte do ministério, “um cuidado enorme para que haja maior transparência” neste processo.
Há um senão: tudo isto vai traduzir-se numa “enorme sobrecarga de trabalho para as escolas, nomeadamente para as que se encontram nos principais centros urbanos”, alerta. Esta “sobrecarga”, especifica, passará sobretudo pela necessidade de verificar todos os documentos que passarão agora a ser exigidos, o que não se esgota só na prova da Autoridade Tributária. Também serão exigidos, para além do número de identificação fiscal do aluno, que já era obrigatório, o número de utente do Serviço Nacional de Saúde e, quando aplicável, o número relativo ao subsistema de saúde e a identificação da entidade.
A directora da Escola Secundária Rainha D. Amélia, que figura no lote das mais procuradas em Lisboa, Isabel Le Gué, começa por frisar que a existência de “maior transparência nos processos e decisões é sempre bem-vinda”, para acrescentar depois que as novas regras relacionadas com as moradas vão ter um “impacto diminuto” no terreno, uma vez que a “grande maioria das escolas já faz esse controlo”.
“O peso da mediatização da questão das moradas falsas não corresponde à dimensão do problema. São raros os casos dos alunos que não têm lugar nas escolas da área da sua residência”, assegura.
Fonte: Público