Género não é critério. Lei da paridade não garante paridade
O limiar mínimo proposto pelo Governo de 40% é impossível de ser tido em conta pela atual lei: comissão de recrutamento apenas indica três nomes para cada governante avaliar
Depois de se ter atrasado na apresentação da iniciativa legislativa, o Governo avançou por fim com uma proposta de lei da paridade na administração direta e indireta do Estado que no limite não garante essa paridade.
O género não é critério e o executivo socialista não mexeu nos parâmetros que devem ser considerados pela Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (Cresap) para avaliação dos perfis de candidatos, não encontrando uma solução para que se possa chegar em todos os lugares aos 40% de limiar mínimo de representação.
Nesta proposta, o Governo dificultou ainda mais essa tarefa ao subir esse limiar de 33% para 40%. Atualmente, para os lugares sujeitos a concurso, esta comissão tem de apresentar uma lista de três nomes para a tutela indigitar um. Questionado pelo DN, o Ministério da Presidência e da Modernização Administrativa, que tutela a Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade, notou que a Cresap deve ter "em conta o limiar de 40% na composição da lista enviada ao Governo", o que é impossível de cumprir por a lista de candidatos dos concursos que a comissão envia ao Governo ter três nomes. É fazer as contas: a representatividade de um dos sexos será sempre de 33%.
Fonte oficial do gabinete da secretária de Estado Rosa Monteiro admitiu ao DN que estes 40% preveem já um possível aumento do número de nomes a incluir na lista da Cresap, mas não há, reforçou a fonte, neste momento nenhuma alteração prevista à lei que regula a Comissão de Recrutamento.
Mais: a proposta dispensa a Cresap de garantir o equilíbrio de homens e de mulheres na lista de candidatos aos lugares. No artigo 5.º, sobre o pessoal dirigente da administração direta e indireta do Estado, lê-se que "a Cresap tem em conta o objetivo da representação equilibrada de homens e de mulheres na composição da lista de candidatos para provimento no cargo enviada ao Governo". Mas logo a seguir diz-se que "a Cresap fica dispensada de observar o disposto no número anterior quando o conjunto de candidatos, selecionados em função das suas competências, aptidões, experiência e formação legalmente exigíveis, não o permitir".
Interpelada pelo DN, fonte do gabinete reiterou o que está na lei para os "cargos sujeitos à procedimento concursal".
O Bloco de Esquerda - com quem o Governo se comprometeu a avançar com esta legislação - reconheceu ao DN que "esta proposta de lei caminha para o equilíbrio" entre a paridade e as "competências, aptidões, experiência e formação legalmente exigíveis para o exercício das funções" apontadas na lei.
A deputada Sandra Cunha notou ao DN que "a forma como está redigido o artigo, nomeadamente de que a Cresap deve ter em conta esse objetivo, não é muito feliz", antecipando que a sua bancada vai trabalhar para tornar "esta redação mais incisiva e mais efetiva", em sede de especialidade. Mas, sublinhou, mais otimista, que "o facto de haver inscrição na lei também potencia a paridade, mesmo nos procedimentos concursais".
Para Sandra Cunha, o BE não quer "anular os outros critérios de avaliação", defendendo que "se tem de encontrar um equilíbrio", que poderá passar "por via do aumento do número de nomes da lista que a Cresap apresenta". "Já é algum avanço haver uma lei que reporta esta paridade, mas não invalida que se possa aprimorar a proposta" do Governo, sintetizou a deputada.
O Governo defendeu-se afirmando que "esta regra é complementada" na proposta de lei n.º 116/XIII, por um artigo que estabelece que "sempre que as listas da Cresap o permitam, os membros do Governo promovem o limiar de 40% de homens e mulheres nas designações de dirigentes superiores da respetiva área governativa".
Para fazer vingar a sua posição, o executivo socialista adiantou ao DN que há "uma tendência positiva no sentido da representação equilibrada, entre mulheres e homens, nos cargos de direção superior da Administração Pública".
Segundo os dados avançados ao DN, relativos a dezembro de 2017, desde 2015, a percentagem de mulheres, em cargos de direção superior de 1.º grau passou de 23% para 26% - ainda longe dos 40% do limiar mínimo - e em cargos de direção superior de 2.º grau de 37% para 41%.
A aplicação da lei será acompanhada pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, que elaborará um relatório anual sobre "a execução" da lei. E as associações e instituições de ensino superior públicas passam a ser obrigadas a ter uma proporção que não pode ser inferior a 40% de um dos sexos nas respetivas direções.
Fonte: Diário de Notícias