Tribunal quer que polícias que agrediram estudante cumpram pena já

São quatro anos de prisão para dois agentes da PSP de Lisboa. Tribunal critica defesa por tudo estar a fazer para evitar a sua detenção.

Que a pena de prisão seja de imediato executada. É esta a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) relativamente ao processo que envolve dois agentes da PSP condenados a quatro anos de prisão efectiva depois de terem agredido com murros e pontapés um estudante alemão na esquadra das Mercês, no Bairro Alto, em Lisboa.

Rui Neto tem 30 anos. Osvaldo Magalhães, 31. Em 2008, quando a agressão se deu, exerciam funções na 3.ª esquadra da PSP das Mercês. Questionada pelo PÚBLICO, a Inspecção-Geral da Administração Interna informou que cada um dos agentes foi alvo de processo disciplinar. Mas que os processos se encontram ainda "pendentes".

Apesar de na semana passada a defesa ter apresentado um pedido de aclaração do acórdão do TRL - que manteve aquela que é, tanto quanto se sabe, a pena mais severa aplicada a agentes de polícia num caso de agressão -, os juízes pronunciaram-se anteontem da seguinte forma: "considera-se, para todos os efeitos", a sentença transitada em julgado.

Mais: entendem que os requerimentos e pedidos que nos últimos meses têm sido suscitados pela defesa dos agentes são infundados e revelam que "os arguidos, sabendo que o processo não admite recurso ordinário, e não se conformando com a decisão definitiva já há muito proferida por este TRL, procuram socorrer-se de todos os meios ao seu dispor para evitar (...) a sua detenção".

Resumindo: o TRL vai apreciar o pedido de aclaração. Mas pede "imediata execução das penas". A Direcção Nacional da PSP não fez, até à hora do fecho desta edição, qualquer comentário. O advogado que representa os polícias, Santos de Oliveira, diz apenas: "A defesa está a fazer tudo o que lhe compete para defender os seus clientes." Os dois agentes sempre negaram as agressões.

A primeira decisão deste caso é de Julho de 2011. O acórdão da 5.ª Vara Criminal de Lisboa dá como provados os crimes de ofensa à integridade física qualificada, coacção grave e abuso de poder. Condena Rui Neto a quatro anos e três meses de prisão e Osvaldo Magalhães a quatro anos - apesar de considerar como atenuante a jovem idade dos agentes (que não ganhavam mais do que mil euros) e o facto de não terem cadastro. "Só assim é que se dignifica uma Justiça de um Estado de direito, cuja severidade na punição não se deve ater apenas aos criminosos que colocam em causa a segurança da comunidade, mas também aos homens em que a população confia para zelarem pela sua defesa, ordem e tranquilidade públicas", lê-se no acórdão. "Não há nada que mine mais a confiança do tecido social nas forças de autoridade como actos semelhantes aos praticados pelos arguidos", continua.

Os actos dados como provados aconteceram a 25 de Julho de 2008. Adrian Grunert, 23 anos, estudante de Linguística em Portugal, ao abrigo do programa Erasmus, apanhou um eléctrico com a namorada. Ela entrou, ele pendurou-se na traseira do veículo e seguiu viagem sem pagar. No Largo Conde Barão foi agarrado pelos dois agentes e depois levado para a esquadra das Mercês, sozinho. E foi aqui, segundo o tribunal, que os agentes, usando luvas de couro, lhe desferiram vários murros na cara, têmporas e orelhas. Quando o jovem tentou fugir, outros dois agentes colocaram-se à frente da porta da sala. Depois de empurrado, caiu no chão, foi pisado, recebeu pontapés nas costas e no peito. Quando pediu ajuda, riram-se, lê-se no acórdão. "A pedir ajuda, aqui?"

Foi obrigado a despir-se totalmente, a colocar-se de cócoras e a baixar-se e elevar-se algumas vezes. Tinha consigo 0,2 gramas de haxixe. Mas os agentes não elaboraram nenhum auto de ocorrência - para relatar esse facto, ou qualquer outro. Mal saiu das Mercês, foi à esquadra da Lapa apresentar queixa. E, de seguida, ao hospital que registou traumas no corpo, hematoma retroauricular, escoriações no cotovelo, no hipocôndrio, nas costas.

Os arguidos contestaram. Em Outubro de 2012, o TRL manteve a pena da 1.ª instância. Seguiu-se um novo pedido de nulidade. A sentença manteve-se. A defesa pode ainda recorrer ao Supremo Tribunal, mas este não aprecia casos com penas inferiores a cinco anos, segundo o advogado Carlos Paisana, que representa Adrian.


Fonte: Jornal O Público