Autarcas pedem intervenção de Cavaco e ameaçam fechar câmaras
Presidentes de câmara não aceitam ser coveiros do poder local e ontem a ANMP aprovou um documento no qual solicitam ao Presidente da República que trave algumas das políticas do Governo de Passos
A “dramática” situação de asfixia financeira em que se encontra o poder local levou ontem a Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP) a pedir a intervenção urgente do Presidente da República. A decisão surge depois de os autarcas terem conhecimento que o Governo não pretenderá entregar o acréscimo de receita de 5% do IMI [Imposto Municipal sobre Imóveis] de 2013 às câmaras municipais por redução de igual valor nas transferências dos fundos do Orçamento do Estado.
A ANMP fala de uma “apropriação abusiva do Governo” e avança que a medida “é inconstitucional”.
O vice-presidente da ANMP, Rui Solheiro (PS), avisa, desde já, que, se o Governo continuar a “estrangular” as câmaras, “os municípios podem vir a encerrar” temporariamente. “Esperemos que não seja necessário fechar os municípios durante algum tempo para se ver o impacto dos serviços prestados pelas câmaras às populações, mas se for preciso avançaremos para essa situação”, admitiu ontem ao PÚBLICO.
Para além da questão do IMI, o Governo mantém suspensa a execução do QREN (Quadro de Referência
Estratégico Nacional), situação que - sustenta a ANMP - “não permite o co-financiamento das autoridades de gestão e do Governo, nem o lançamento de novos investimentos”.
Os autarcas insurgem-se contra o Governo de adiar “sucessivamente a criação de uma linha de crédito de 1,2 mil milhões de euros para consolidar (para médio/longo prazos) a dívida a fornecedores com mais
de 90 dias”.
O apelo a Cavaco Silva consta de um documento, que foi aprovado ontem por unanimidade pelo conselho geral da ANMP. “Esta unanimidade significa que todo o poder local está a fazer a mesma leitura, nesse sentido, reclama uma alteração do rumo das políticas do Governo”, disse ao PÚBLICO o presidente da Câmara de Benavente, António José Ganhão (CDU), afirmando que os “autarcas recusam-se a ser os coveiros do poder local”.
No texto, os presidentes de câmara solicitam a Cavaco Silva uma reunião com carácter de urgência, pedindo-lhe que intervenha junto do Governo na perspectiva de alterar algumas das políticas que têm
vindo a ser impostas às autarquias e que põem em causa “a sustentabilidade do poder local e das economias locais”.
Ficou também decidido solicitar uma reunião com carácter de urgência ao primeiro-ministro, mas se as diligências, entretanto, feitas não surtirem efeito será convocado um congresso extraordinário da ANMP, que deverá realizar-se até meados de Junho.
Nas palavras de Rui Solheiro, o congresso “poderá ser o início de um combate a sério numa época em que os problemas sociais são sérios”. A favor desta medida mostra-se António José Ganhão. O autarca de Benavente considera que “o congresso pode decidir um conjunto de linhas de orientação para serem seguidas pelo poder local. Vamos explicar às populações o que é que elas vão perder”.
No documento com 32 pontos, os presidentes de câmara referem que “as autarquias são essenciais para servirem de forma mais rápida e próxima os seus cidadãos e isso sente-se na resolução rápida dos
problemas”. “O Governo só é rápido no ‘anúncio de medidas’. Pelo contrário, as autarquias locais, por
lidarem mais de perto com as suas populações (...) e numa lógica de proximidade dão respostas mais
rápidas e eficazes”, lê-se no texto.
No entanto, fazem notar que “este papel de auxílio está actualmente em risco”. “Com as dificuldades financeiras actuais, os apoios sociais às populações não poderão continuar a ser prestados, sendo certo que as autarquias têm sido o verdadeiro Ministério da Solidariedade em Portugal”. Os municípios insurgem-se contra a “diminuição violenta das receitas provenientes do Orçamento de Estado e à diminuição de receitas de impostos que são receitas municipais - em particular o IMT [Imposto Municipal sobre Transacções Imobiliárias] e derrama”. E referem que “é preciso dizer a verdade aos portugueses: já se atingiu o ponto de inviabilização do normal funcionamento das autarquias locais, num claro desrespeito pela Constituição e por décadas de autonomia”.
Avisando que “menor autonomia significa uma maior centralização e a perda de importância das comunidades locais”, o documento deixa uma mensagem: ”Já só falta os eleitos locais serem substituídos por dirigentes nomeados pelo Governo, acabando com as eleições autárquicas”.