Juízes avisam que reforma penal viola a Constituição

Magistrados com dúvida sobre crime de falsas declarações a autoridade pública e alargamento do processo sumário

Os juízes avisam que a criação do novo crime de falsas declarações a autoridade pública - previsto na proposta de reforma penal do Governo - pode ser inconstitucional. E usam um argumento semelhante ao que o Tribunal Constitucional usou para considerar inconstitucional o crime de enriquecimento ilícito: isto é, que o tipo legal, tal como está na proposta, vai além do bem jurídico que se pretende proteger (autonomia do Estado), "em violação" dos principios da subsidiariedade, proporcionalidade e adequação previstos no artigo 18º da Lei Fundamental.

No parecer da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), a que o Diário Económico teve acesso, os magistrados lamentam que as alterações sejam "pontuais" e que o Governo não tivesse optado por uma "reforma profunda". E deixam críticas, nomeadamente ao artigo 348º A, que pune com pena de prisão até um ano (ou multa) "quem declarar ou atestar falsamente à autoridade pública ou a funcionário no exercício das suas funções, identidade, estado ou outra qualidade a que a lei atribua efeitos jurídicos". Os juizes avisam que este crime, "tal como está delineado", pode ser "de tal forma amplo" que acaba por abarcar "situações insignificantes ou que não justifiquem uma pena à luz do bem jurídico protegido". É o caso de uma pessoa dar uma declaração falsa à polícia, ao fisco, à segurança social ou aos registos por erro ou sem dolo directo (intenção de enganar ou enriquecer). Embora o Ministério da Justiça tenha garantido ao Diário Económico que a proposta não visa abarcar falsas declarações às Finanças, os juízes argumentam que o artigo pode abarcar um conjunto vasto de situações.

"Do modo como está construído o tipo [legal] verificar-se-á a criminalização de muitas contraordenações, independentemente da intencionalidade, do resultado ou do valor patrimonial", diz o parecer dos juízes à proposta de reforma penal que o Ministério da Justiça apresentou recentemente.

Fonte: Diário Económico