Ministério Público arquiva cada vez mais inquéritos crime por falta de provas


Falta de provas. Foi este o motivo que levou a que a grande maioria dos inquéritos investigados no ano passado pelo Ministério Público, em Lisboa, tenha sido arquivado. E que tem levado a que o número de processos arquivados esteja a aumentar de ano para ano, como indicam os relatórios de actividades dos últimos três anos da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (PGDL), dirigida Francisca Van Dunen.

O mais recente, referente a 2011, revela que 185.751 (79%) dos 235.736 processos de inquérito finalizados, foram arquivados com base no que dizem os artigos 277.º e 280.º . Por ter sido recolhida “prova bastante de se não ter verificado crime, de o arguido não o ter praticado a qualquer título ou de ser legalmente inadmissível o procedimento”. “Ou por não ter sido possível ao Ministério Público obter indícios suficientes da verificação de crime ou de quem foram os agentes”.

A verificação de pressupostos para a dispensa da pena explica o arquivamento de outros 948 processos, indica o mesmo relatório.

Os números desse ano mantêm a tendência observada nos três anos anteriores quanto ao arquivamento de inquéritos, embora se verifique um gradual aumento.

De quase 159 mil, o número de processos arquivados pela PGDL em 2009 aumentou para 177.558 em 2010 e para 185.751 em 2011. Também os inquéritos arquivados por dispensa de pena subiram de 323 para 751 e para 948 ao longo dos últimos três anos.

A esmagadora maioria destas situações em que se verifica a inexistência de crime e de provas deve-se à quantidade de “queixas infundamentadas” ao Ministério Público, diz o ex-bastonário dos advogados Rogério Alves que defende a punição de “quem utilizar a participação criminal de forma infundamentada”. Na sua opinião, é “o mesmo do que chamar o 112 indevidamente”.

Refere as “pessoas incontinentes a queixarem-se sem ter em conta que nem tudo é crime”, sem “distinguir uma conduta errada da criminal”, o que tem o “efeito muito perniciosos de atafulhar os serviços do Ministério Público.” É assim, diz Rogério Alves, que “vai tudo parar à PGR” que, obrigada pela lei (princípio da legalidade) a abrir inquérito a todas as queixas, vai servindo de “muro de lamentações e palco de vinganças”. E o Ministério Público, “na ânsia de punir tudo, acaba por não punir nada”, observa o ex-bastonário que considera: “Estamos a criminalizar demais as condutas”. E para ultrapassar esta situação, aponta a necessidade de “dar mais poder ao Ministério Público para seleccionar os crimes mais graves e deixar de fora os menos graves”.

O juiz Mouraz Lopes, candidato à presidência da Associação Sindical dos Juízes (ASJP), refere a dificuldade da recolha de prova em grande número de casos, muitos relacionados com pequenos delitos, mas relativamente aos quais o Ministério Público é obrigado a abrir inquérito. E salienta o “trabalho ingrato” da polícia na investigação desses processos sobre os quais não há indícios de crime.

O número de arquivamentos acompanha o aumento dos processos movimentados que no ano passado ascenderam a 314.870. Entre os dados mais significativos constam os 159 inquéritos de violência escolar, sete contra profissionais de saúde e 127 de violência contra idosos, crimes aos quais foi estabelecida prioridade pelo procurador-geral da República. Há também registo de 36 inquéritos de violência contra deficientes e 374 de crimes contra crianças.
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