Bacelar Gouveia: Corte unilateral de salários ou férias é inconstitucional
O constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia considera que o corte unilateral de direitos dos trabalhadores como o salário ou as férias “é inconstitucional”, apesar de defender que em “tempos de crise” deve haver alguma flexibilidade.
Jorge Bacelar Gouveia comentava assim, à agência Lusa, uma das propostas hoje em discussão entre o Governo e os parceiros sociais sobre a possibilidade de as "pontes" poderem ser descontadas nos 22 dias de férias por decisão do empregador.
“Acho que há um conjunto de direitos dos trabalhadores que estão consagrados na lei e têm de ser respeitados. É evidente que num ambiente de crise deve haver alguma flexibilidade em relação a certos pormenores da contratação, no sentido em que o esforço deve ser feito por todas as partes na relação contratual e se for apenas por um período temporário, para que depois de ultrapassada a crise se regresse a uma situação de normalidade com restabelecimento total dos direitos”, explicou.
Contudo, Jorge Bacelar Gouveia considera que é preciso distinguir dois tipos de procedimento: os cortes serem feitos de forma unilateral ou se forem obtidos com acordo.
“Uma coisa é um corte de direitos feito de forma unilateral, que põe em causa direitos atribuídos aos trabalhadores, direitos esses que têm que ver com o direito ao salário, descanso ou férias - aliás direitos esses expressamente consagrados na Constituição -; e outra coisa é se for obtido com o acordo entre os diferentes parceiros sociais”, disse.
Na opinião do constitucionalista, estas “questões são sempre complexas”, mas são sempre viáveis se o resultado for obtido através de um acordo social, se for de consenso entre trabalhadores e empregadores, evitando-se assim alguns “resultados inconstitucionais”.
“Na minha opinião, as férias são irrenunciáveis e inalienáveis. A lei não pode dar ao empregador um poder unilateral de decidir sobre as férias dos trabalhadores porque as férias têm um regime tal que nem sequer são negociáveis: por exemplo, um trabalhador se quiser não pode trabalhar nas férias para receber dinheiro. As férias têm um regime muito protector, mas vamos aguardar para ver como acaba a concertação social”, salientou.
O constitucionalista lembrou que considerou inconstitucional o caso da suspensão dos subsídios de férias e Natal aplicada aos trabalhadores da função pública, tendo a questão já sido levada ao Tribunal Constitucional.
“É evidente que há um pano de fundo que é a crise, mas também temos de ver que a crise para certos efeitos é menos pesada do que há um ou dois anos atrás porque o défice do Estado era oito ou nove por cento e já vai em cinco, ou seja, está a diminuir. A pergunta que fica é: o défice orçamental diminui, mas há cada vez mais medidas gravosas para os trabalhadores, não deveria ser o contrário”, referiu.
O Governo e os parceiros sociais voltam hoje à concertação social para discutir o compromisso para o crescimento, competitividade e emprego, embora as perspectivas de um acordo tripartido sejam praticamente nulas.
Em cima da mesa de negociações estará uma nova versão do documento de trabalho já conhecido dos parceiros sociais, com alterações significativas face ao anterior, que foi discutido a 23 de Dezembro, dia em que a CGTP abandonou a reunião em sinal de protesto.
Diário Digital com Lusa