Pedidos de despejo aumentam 17%, a maioria por incumprimento
Balcão Nacional de Arrendamento ordenou 1072 desocupações no ano passado. Inquilinos alertam que números não ilustram a realidade dos despejos, dada a existência de um mercado ilegal de arrendamento. Proprietários afirmam recorrer pouco a este instrumento.
O Balcão Nacional de Arrendamento (BNA), organismo que há pouco mais de uma semana foi substituído pelo Balcão do Arrendatário e do Senhorio, recebeu 2672 Pedidos Especiais de Despejo em 2023, um aumento de 17% face a 2022, segundo os dados fornecidos pelo Ministério da Justiça, que tutela este serviço. A maioria destas ações deve-se a incumprimentos no pagamento das rendas.
O Distrito de Lisboa somou mais de um terço dos pedidos de despejo que entraram no BNA em 2023, exatamente 1018, com o município da capital a contabilizar 330. O Distrito do Porto totalizou 489 requerimentos, tendo os senhorios da Invicta instaurado 128 processos no BNA.
Acima da linha dos 100 processos encontram-se também Sintra (172), Amadora (111) e Vila Nova de Gaia (106). Estes são territórios urbanos que concentram emprego e, por isso, muito procurados para viver. São também as localidades onde o valor das rendas dos novos contratos habitacionais disparou nos últimos anos.
Do total de requerimentos analisados pelo BNA, foram emitidos 1072 títulos de desocupação do locado em 2023, revelou também o Ministério da Justiça. Este é o número de pessoas que foram despejadas ao longo do ano passado, por situações como incumprimento no pagamento das rendas, revogação do contrato de arrendamento ou a sua denúncia pelo senhorio ou arrendatário, entre outras, mas há ainda muitos processos a decorrer em tribunal.
A grande maioria dos despejos diz respeito à falta de pagamento atempado das rendas, reconhecem os representantes dos inquilinos e dos senhorios. Os proprietários podem entrar com um pedido de despejo junto do BNA quando o arrendatário falhe a renda por três meses ou quando num único ano se atrase por mais de oito dias no pagamento, desde que tal suceda mais de quatro vezes seguidas ou interpoladas. Já os despejos só são efetivados após esgotar-se o prazo de 15 dias que o inquilino tem para se opor à ação, ou seja, recorrer a tribunal.
Longe da realidade
António Machado, secretário-geral da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, não tem dúvidas de que “há situações de arrendatários que não conseguem pagar a renda”, mas alerta que muitos estão em situação ilegal. Por isso, os números do BNA estão apartados da realidade. “O que se passa é que há falta de contratos, há abusos de poder, pagamentos por baixo da mesa”, sublinha. Nestes casos são pedidos aumentos de renda abusivos. “Hoje chegou-me uma denúncia de uma pessoa que está a pagar 450 euros de renda e que agora foi confrontada com a exigência de 850 euros.” Estas situações não entram nestas contas, frisa.
Por sua vez, os proprietários afirmam que estes dados não revelam a realidade dos incumprimentos no pagamento das rendas. Segundo Diana Ralha, diretora da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), há muitos senhorios que “não têm dinheiro para avançar com despejos, para pagar as Taxas de Justiça, o advogado”, e também “não confiam nestes processos, que demoram três, quatro e cinco anos”.
Citando um barómetro realizado junto dos associados, Diana Ralha revela que uma em cada quatro pessoas tem a renda em atraso. Apesar disso, 70% dos proprietários dizem que não vão interpôr uma ação, sendo que, desse universo, 40% sentem-se compadecidos com a condição do inquilino, 30% alegam falta de dinheiro e 20% afirmam não acreditar na Justiça.
Para António Machado, a autoridade administrativa é “ausente da sua função, não exerce fiscalização”. Na sua opinião, deveria ser criado um registo do arrendamento, à semelhança do que existe para o Alojamento Local. “O proprietário inscrevia-se na plataforma e só depois é que podia arrendar o imóvel”, defende.
O BNA foi criado em 2013 para agilizar os processos de despejo, embora não impedisse os senhorios de recorrer diretamente ao tribunal caso o entendessem. Verifica-se, no entanto, que no somatório dos 12 meses de 2023 se encontravam pendentes de decisão do tribunal 4262 processos de despejo, quase o dobro dos registados em 2022. Isto porque, no caso de oposição do inquilino ao pedido de despejo, o processo é enviado para julgamento.
Novo balcão
Entretanto, a 16 de fevereiro entrou em operação o Balcão do Arrendatário e do Senhorio (BAS), criado no âmbito do programa Mais Habitação e que vem substituir o BNA e o Sistema de Injunção em Matéria do Arrendamento (direitos dos inquilinos). O BAS passa agora a concentrar a competência de receção e tramitação dos pedidos de despejo e da injunção em matéria de arrendamento. O objetivo é agilizar os processos, mas agora há sempre recurso ao tribunal.
Para Menezes Leitão, presidente da ALP, essa obrigação “pode tornar o balcão inútil”. “Em muitos casos, o inquilino não contestava a decisão de despejo” e, nessa situação, o BNA emitia a ordem de abandono do imóvel. Agora terá de passar pelo juiz.
Fonte: Diário de Notícias
Foto: Paulo Spranger / Global Imagens