Confiança e Futuro
O Caso do Tribunal da Relação do Porto

Num Estado de Direito Democrático, os sistemas judiciais legitimam-se através da relação de confiança que saibam estabelecer com os cidadãos.
Como bem anota Gonçalo M. Tavares, a confiança tem muito a ver com arriscar, com correr riscos. Aqueles que desconfiam, repetem sistematicamente, fazem igual ao que outros já fizeram, acima de tudo, não querem cometer erros. Porém, o erro está ligado à descoberta. O erro, e só este, cruza-se com o novo, com o criativo.
Numa outra vertente, todos sabemos, enquanto pessoas, que a confiança é dificilmente conquistável, mas facilmente quebrada, com danos muitas vezes irreparáveis.
Daí que exija um esforço permanente; no caso particular das instituições, a sua conquista assenta, essencialmente, numa permanente transparência e no continuado exercício de prestação de contas.
Ao nível nacional e europeu, observa-se, hoje, uma crescente preocupação em aproximar o sistema judicial dos cidadãos. Medidas como a simplificação da linguagem, a melhoria da comunicação e o aumento da acessibilidade aos processos têm sido incentivadas para garantir uma justiça mais próxima dos cidadãos e, neste sentido, mais confiável.
Ora, nas sociedades modernas, a publicação das decisões judiciais constitui, justamente, um poderoso fator no reforço dessa confiança.
A jurisprudência (conjunto de decisões e acórdãos provindos dos tribunais) é uma das principais fontes do direito, influenciando decisões futuras e permitindo a evolução do Direito. É essencial que essas decisões, sobretudo as dos tribunais superiores, sejam amplamente conhecidas e estudadas. Só assim, os juristas como a população em geral poderão ter acesso à fundamentação das decisões jurisdicionais, pressuposto constitucional da sua validação.
Porém, ao mesmo tempo, essa publicidade tem que ser compatibilizada com um outro direito fundamental: o da proteção dos cidadãos, daqueles que procuram ou são alvo do sistema de justiça.
Há que encontrar, em cada momento, uma concordância harmoniosa entre o direito à privacidade ou à proteção de dados e o superior interesse público, materializado no direito à informação.
A anonimização de documentos judiciais foi a solução encontrada para garantir definitivamente esse equilíbrio. Removendo ou ofuscando dados pessoais ou informações que possam identificar os sujeitos processuais, permitindo, por essa via, a publicação das decisões, sem comprometer a privacidade dos envolvidos.
Ao longo dos anos, o Tribunal da Relação do Porto, sempre consciente da necessidade de partilha de informação, foi procedendo a essa anonimização a qual, porque efetuada de modo essencialmente manual, se traduzia numa percentagem de publicação de documentos reduzida face aos acórdãos produzidos. Pese essa menor eficiência, aliada a uma lentidão indesejada, resultava, ainda assim, necessária uma afetação significativa de recursos humanos.
O salto quantitativo e qualitativo ocorre a partir do ano de 2022, em boa medida, graças à utilização de uma nova ferramenta que, fazendo uso da inteligência artificial, veio permitir ganhos de eficiência assaz significativos, através da automatização da anonimização, sempre sob a tutela última da intervenção humana.
A ferramenta em causa vem sendo assegurada pela Datajuris e tem demonstrado uma eficiência imparavelmente crescente face aos objetivos pretendidos.
Tal sucesso decorre também dos melhoramentos e sinergias aportados pelos dois funcionários judiciais do Tribunal da Relação do Porto afetos a esta tarefa, Filipe Oliveira e Susana Vilas.
Hoje o Tribunal da Relação do Porto é o que mais publica decisões jurisprudenciais, mesmo não sendo o tribunal com mais juízes, nem aquele que afeta maiores recursos humanos a esse propósito. Bastará uma consulta ao sítio âncora de publicações (dgsi.pt) para se constatar que, dos cinco Tribunais da Relação existentes em Portugal, a Relação do Porto publicou, até à data, cerca de 61 mil acórdãos o que compara com cerca de cinco mil decisões a menos da Relação imediatamente a seguir e com um número que, sensivelmente, quadruplica as publicações de cada uma das três restantes. Números impressivos e que, eloquentemente, falam por si.
Acresce, com evidente relevância, que o intervalo temporal entre a data em que é publicado o acórdão e a sua disponibilização no sítio da internet é, hoje, inferior, em média, a vinte dias, o que compara com um prazo, muitas vezes, superior a cinco meses, há três anos atrás.
A gestão de um tribunal superior exige uma estratégia clara e implica uma multiplicidade de objetivos a cumprir, numa missão de serviço público, visando o superior interesse dos nossos concidadãos.
No caso do Tribunal da Relação do Porto (trp.pt), para além de diversas atividades que tornam exigente o nosso dia-a-dia – dezenas de eventos jurídicos, culturais ou artísticos ao longo do ano, um museu recentemente inaugurado, o compromisso ambiental assumido pioneiramente, as várias parcerias, nacionais e internacionais, com a academia, a advocacia ou o Ministério Público, a dimensão solidária com diversas instituições de apoio social na cidade, etc. – entendemos também estar vigilantes, em cada momento, no aprimoramento daquela que é a vertente da informação comunicacional.
Por isso, é tempo de dar público testemunho de uma parceria feliz.
A ambição é continuar a fazer mais e melhor, aproveitando, com criatividade e flexibilidade, as ferramentas que a tecnologia nos oferece, sempre com a imprescindível supervisão humana.
José Igreja Matos
Presidente do Tribunal da Relação do Porto