Parlamento em serviços mínimos. Governo agora sem fiscalização dos deputados

Da agenda parlamentar de ontem e da de hoje já só constam visitas guiadas. Alunos e professores de várias escolas terão apenas para visitar um palácio vazio de deputados - agora, muitos deles, envolvidos na campanha pela sua reeleição. Várias leis ficaram pelo caminho.

O último plenário reuniu na quinta-feira da semana passada e ontem foi publicado no “Diário da República” o decreto presidencial n.º 12-A/2024, que determinou a dissolução da Assembleia da República a partir de ontem, fixando as próximas eleições legislativas, como já tinha sido anunciado, para 10 de março.

Agora, o Parlamento está em serviços mínimos. Da agenda (de ontem e de hoje) só constam “visitas guiadas” ao palácio: de alunos e professores do Colégio Miramar (na Ericeira), da Universidade Autónoma de Lisboa, da escola básica Serra da Luz (da Amadora), da escola secundária Jorge Peixinho (no Montijo), do agrupamento de escolas Martinho Árias (de Soure) e do de Mortágua. E é tudo.


A dissolução implica, legalmente, a “cessação do normal funcionamento” da Assembleia da República. Os deputados mantém no entanto o mandato - até ao exato dia em que forem substituídos pelos que forem eleitos em 10 de março - mas nem o plenário reunirá nem a esmagadora maioria das comissões. Na prática: o Governo ficará sem fiscalização parlamentar até ao dia em que for substituído.

Doravante, funcionará, quinzenalmente, a Comissão Permanente, que é uma versão reduzida, à proporção, do plenário. Já há uma reunião marcada para 24 de janeiro de 2024, em que a agenda é o próximo Conselho Europeu, seguindo-se “declarações políticas” com tema aberto (isto é: campanha eleitoral). A reunião será antecedida, sempre, de uma conferência de líderes parlamentares.

As comissões agora também só poderão reunir para efeitos de redação final dos diplomas aprovados na semana passada. A comissão Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados reunirá sempre que for necessária resposta a solicitações urgentes dos tribunais aos deputados (para deporem, como testemunhas ou arguidos). E a comissão de Assuntos Europeus “nos casos em que se justifique” - sendo que, em ambos os casos, será sempre necessária autorização prévia do presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva (PS).

O que fica pendurado?
A interrupção da legislatura fez com que alguns processos legislativos em curso ficassem pelo caminho. Exemplos: a regulamentação do lobbying’, as alterações mais polémicas à lei do tabaco e a revisão constitucional. Numa próxima legislatura, em havendo vontade de retomar estes temas, todo o processo terá de recomeçar do zero. O fim da legislatura dita a morte de todas as leis não aprovadas.

Mesmo sabendo que o período temporal era reduzido, o PS ainda desafiou, no início do ano, as restantes bancadas com iniciativas legislativas sobre a regulamentação do lobbying a alcançar uma lei antes da dissolução, mas os projetos de lei do PS, PSD, IL e PAN acabaram por ficar pela especialidade, após pedidos de adiamento da IL e do PSD.

Este adiamento levou a uma troca de acusações entre os dois maiores partidos, com o líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, a considerar que o PSD cedeu “às pressões” dos interesses que se opõem a esta regulamentação, e o líder de bancada social-democrata, Joaquim Miranda Sarmento, a questionar “a que pressões cedeu o PS” para querer regulamentar a representação de interesses em três dias, depois ter governado durante oito anos.

Outro dos ‘dossiers’ que ficou pelo caminho foi o das alterações que o Governo pretendia adotar para a prevenção e controlo do tabagismo, a propósito da transposição de uma diretiva europeia sobre o tema, que Portugal tinha que aprovar sob pena de ficar em incumprimento.

Uma vez que já não havia tempo para concluir o processo na especialidade, que previa a realização de audições, a 30 de novembro foram apenas aprovadas em votação final global parte dessas alterações, ficando contemplada a equiparação dos cigarros eletrónicos ao tabaco tradicional, e caindo as propostas mais polémicas como a proibição de venda e consumo de tabaco próximo de escolas, em bombas de gasolina ou em esplanadas com alguma cobertura.

Quanto à revisão constitucional, em setembro, a comissão eventual até ambicionava terminar os trabalhos antes do final do ano, após várias reuniões a debater alterações artigo a artigo. Contudo, a 10 de novembro, três dias após a demissão do primeiro-ministro, os líderes parlamentares do PS e PSD rejeitaram a existência de condições para concluir o processo nesta legislatura. O processo morreu nesse dia.

Mas assim como há diplomas que ficaram pelo caminho também houve outros que mereceram apressada aprovação. Exemplos: uma nova lei para os metadados, alterações ao regime da nacionalidade para descendentes de sefarditas ou o regime que permitirá o voto em mobilidade nas Europeias.

Fonte: Diário de Notícias
Foto: Daniel Rocha