Presidente da República deverá formalizar hoje à noite a demissão do Governo
A assinatura do decreto presidencial que oficializa a demissão do primeiro-ministro, que terá efeitos a partir de sexta-feira, deixa o Governo em gestão, limitado aos atos estritamente necessários ou inadiáveis à continuação da sua atividade.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, deverá formalizar hoje à noite a demissão do Governo, que ficará limitado a atos de gestão, conforme indicou aos jornalistas no sábado.
Esta formalização acontecerá um mês depois de o primeiro-ministro, António Costa, ter apresentado a sua demissão ao Presidente da República, em 07 de novembro, que a aceitou de imediato e, consecutivamente, decidiu dissolver o parlamento e marcar eleições legislativas antecipadas para 10 de março.
Antes, hoje ao fim da tarde, Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa vão estar juntos na sessão de apresentação de uma edição revista e ampliada do livro "Portugal Amordaçado -- Depoimento sobre os anos do fascismo", de Mário Soares, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, no dia em que o antigo Presidente da República completaria 99 anos de idade.
A demissão do Governo "por efeito da aceitação do pedido de demissão apresentado pelo primeiro-ministro" é oficializada por decreto assinado pelo Presidente da República e publicado em Diário da República.
A assinatura do decreto presidencial que oficializa a demissão do primeiro-ministro, que terá efeitos a partir de sexta-feira, deixa o Governo em gestão, limitado aos atos estritamente necessários ou inadiáveis à continuação da sua atividade.
O artigo 186.º da Constituição determina que, após a sua demissão, "o Governo limitar-se-á à prática dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos".
O alcance desta norma da lei fundamental tem, contudo, uma larga amplitude, que levou o Tribunal Constitucional, em 2002, a produzir um acórdão para explicitar as limitações dos executivos em gestão, uma vez que não há outra lei que concretize o que são os "atos estritamente necessários" à condução dos negócios públicos.
Na decisão, os juízes do palácio Ratton consideraram que um governo demissionário não tem "nenhuma limitação" nos atos que pratica, apenas tem de justificar a sua necessidade.
O "critério decisivo" que baliza os atos de um governo demissionário é, segundo o TC, o da "estrita necessidade da sua prática", ou seja, algo que se torne "inadiável" ou absolutamente necessário à gestão pública.
O acórdão foi produzido após o então Presidente da República, Jorge Sampaio, ter pedido ao TC para esclarecer se o executivo liderado por António Guterres, que já se encontrava demissionário em 2002, poderia aprovar um decreto-lei que estabelecia o regime jurídico aplicável à gestão dos hospitais e dos centros de saúde.
Com a demissão formal do Governo socialista, formalizada através da assinatura do decreto do Presidente da República, o executivo estará em gestão até à aprovação do programa do próximo Governo pela Assembleia da República saída das eleições legislativas antecipadas de 10 de março de 2024.
O executivo de António Costa já assinalou que não iria tomar decisões de grande alcance, como a privatização da TAP ou a escolha da localização do novo aeroporto de Lisboa.
Ficou, porém, garantida a entrada em vigor a 01 de janeiro do Orçamento do Estado para 2024, com a decisão do Presidente da República de formalizar a demissão do Governo só depois da sua aprovação, o que permitirá concretizar decisões como o aumento do salário mínimo nacional, das pensões e da administração pública.
No sábado, durante uma visita ao Banco Alimentar Contra a Fome de Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa indicou que tencionava formalizar a demissão do Governo na noite de 07 de dezembro, para permitir ainda a aprovação de "algumas votações importantes para o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)" em Conselho de Ministros, e que o decreto de demissão produzirá "efeitos na sexta-feira, dia 08".
Quanto à dissolução da Assembleia da República, o chefe de Estado confirmou que será decretada em 15 de janeiro, último dia possível para que haja legislativas em 10 de março, tendo em conta que nos termos da Constituição e da lei eleitoral isso tem de acontecer no período entre o 55.º e o 60.º dias anteriores à data escolhida para as eleições.
Segundo o artigo 186.º, n.º 5 da Constituição, "após a sua demissão, o Governo limitar-se-á à prática dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos".
O primeiro-ministro, António Costa, apresentou a sua demissão ao Presidente da República em 07 de novembro, por causa de uma investigação judicial sobre a instalação de um centro de dados em Sines e negócios de lítio e hidrogénio que levou o Ministério Público a instaurar um inquérito autónomo no Supremo Tribunal de Justiça em que é visado.
O chefe de Estado aceitou de imediato a demissão do primeiro-ministro, embora sem a formalizar, e nos dois dias seguintes ouviu os partidos com assento parlamentar e o Conselho de Estado.
Terminada a reunião do Conselho de Estado, em 09 de novembro, anunciou que decidiu dissolver o parlamento e marcar eleições legislativas antecipadas para 10 de março.
Nessa comunicação ao país, Marcelo Rebelo de Sousa explicou que iria adiar o processo formal de demissão do Governo para "inícios de dezembro", para permitir a aprovação final do Orçamento do Estado para 2023 e a sua entrada em vigor.
Segundo o Presidente da República, impunha-se "a garantia da indispensável estabilidade económica e social que é dada pela prévia votação do Orçamento do Estado para 2024".
"A aprovação do Orçamento permitirá ir ao encontro das expectativas de muitos portugueses e acompanhar a execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que não para nem pode parar com a passagem do Governo a Governo de gestão ou mais tarde com a dissolução da Assembleia da República", justificou.
O Orçamento do Estado para 2024 foi aprovado em votação final global na Assembleia da República em 29 de novembro, com votos a favor da maioria absoluta de deputados do PS, abstenções dos deputados únicos de PAN e Livre e votos contra das restantes bancadas.
O artigo 195.º, n.º 1, alínea b) da Constituição estabelece que "a aceitação pelo Presidente da República do pedido de demissão apresentado pelo primeiro-ministro" é uma das circunstâncias que "implicam a demissão do Governo".
O primeiro-ministro e respetivo executivo continuam em funções até à posse do seu sucessor e do novo Governo, e só nesse momento são exonerados.
Nos termos do artigo 186.º da Constituição, "em caso de demissão do Governo, o primeiro-ministro do Governo cessante é exonerado na data da nomeação e posse do novo primeiro-ministro", enquanto "as funções dos restantes membros do Governo iniciam-se com a sua posse e cessam com a sua exoneração ou com a exoneração do primeiro-ministro".
Fonte: Diário de Notícias
Foto: Mário Cruz / AFP