Lei Relvas com fim à vista? Um quinto das freguesias agregadas quer separar-se

Dez anos depois da união de centenas de freguesias em Portugal, por imposição da troika, o Parlamento já analisa alguns pedidos para reverter a agregação. Associação Nacional de Freguesias deixou críticas ao processo.

Ao todo, são já 182 as freguesias que se querem separar, encerrando assim as uniões em vigor há dez anos. O número corresponde a 20,5% de um universo de 884 freguesias agregadas do País e que resultaram da chamada Lei Relvas (assim batizada com o apelido do então ministro-Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas), aprovada em 2013, que criou as uniões atualmente existentes.

Antes, o território nacional era composto por 4259 freguesias. Depois desta reforma, o número diminuiu em 1168, passando para 3091 (2882 das quais no continente), sendo que nas regiões autónomas não houve uniões. Feita a reorganização, passaram a existir 884 agregações. Na maior parte dos casos (666) formaram-se pares, mas houve também situações em que o número de freguesias agrupadas numa só foi de sete.

Hoje existe, até, uma agregação de 12 freguesias, em Lisboa. No entanto, esta união é anterior à Lei Relvas, pois teve lugar em 2012 quando a Câmara de Lisboa (na altura presidida por António Costa) decidiu fazer uma reorganização administrativa da cidade. Uma das alterações agrupou Mártires, Sacramento, São Nicolau, Madalena, Santa Justa, Sé, Santiago, São Cristóvão e São Lourenço, Castelo, Socorro, São Miguel e Santo Estêvão numa nova freguesia: Santa Maria Maior. Na altura, a capital passou de 53 freguesias para as atuais 24.

As freguesias agregadas em 2013, por imposição da troika, e que agora desejam separar-se, tiveram até dezembro de 2022 para enviar a documentação necessária. A Lei Relvas - n.º 11-A/2013, de 28 de janeiro - foi entretanto revogada por outro diploma, a lei n.º 39/2021, de 24 de junho, que veio então trazer a possibilidade de, caso fosse essa a intenção, permitir a separação das freguesias mediante algumas regras.

Segundo o diploma, devem ser cumpridos, em conjunto, alguns aspetos técnicos, como por exemplo a prestação de serviços à população, ou a viabilidade do seu plano económico-financeiro.

E é neste plano que, sabe o DN, algumas das freguesias que pediram a separação têm falhado. De acordo com fonte parlamentar, na maioria dos pedidos já verificados (que são perto de 70), há documentação em falta. Com isto, as Assembleias Municipais foram notificadas para que as falhas fossem resolvidas. Segundo a mesma fonte, a maior parte da documentação em falta era de ordem económico-financeira.

Para avaliar estes pedidos, a Comissão de Administração Pública, Ordenamento do Território e Poder Local pediu à secretaria-geral do Parlamento para constituir uma comissão de análise técnica, composta por juristas. Foi também constituída uma base de dados interna, para agregar os processos. Caso sejam aprovadas, todas estas alterações só entrarão em vigor depois das próximas Autárquicas, em 2025.

De acordo com os dados avançados ao DN - e que estão organizados de forma agregada por distrito -, Braga é onde mais freguesias se querem separar (31), seguindo-se os distritos de Porto e Aveiro.

Questionado pelo DN, Miguel Relvas referiu que a reforma administrativa se deu porque "vinha de acordo com o exigido pela troika" e remeteu mais explicações para o livro que publicou em 2015 (O Outro Lado da Governação).

No livro, Miguel Relvas começa por considerar a reforma "um êxito notável" à altura. Na base da decisão, diz Relvas, estiveram quatro dimensões: "Reduzir o número de entidades locais", "reafirmar o desejo de reorganizar", "gestão municipal, intermunicipal e financiamento" e "maior democracia local, promover o debate sobre o novo mapa jurídico". No fundo, tudo se resume a uma linha: "Sem sombra de dúvidas, reduzir custos."

Nomes ainda por divulgar
Para já, a lista das freguesias que pediram a desagregação não é conhecida. No entanto, uma breve pesquisa revela pelo menos duas uniões que se querem separar: Camarate, Unhos e Apelação (no Concelho de Loures, Distrito de Lisboa) e Lousã e Vilarinho (Concelho da Lousã, Distrito de Coimbra). Outros casos são, por exemplo, as freguesias da União de Aljustrel e Rio de Moinhos (Concelho de Aljustrel, Distrito de Beja) ou a União de São Cosme, Jovim e Valbom, sendo que, neste último caso, a Câmara de Gondomar - de maioria PS - não aprovou a desagregação e o processo não seguiu.

No que diz respeito a Camarate, um parecer da junta de freguesia refere que, apesar dos avanços feitos após a união - como o reforço de pessoal ou a construção de mais infraestruturas de apoio à população -, a decisão é favorável, sobretudo porque, argumenta-se no documento, "o prazo de pronúncia é muito curto e limitativo da auscultação séria à população", que aquando da agregação se manifestou contra essa decisão.

Anafre critica o processo
Apesar dos pedidos de desagregação olharem para a separação como algo positivo, a Associação Nacional de Freguesias (Anafre) discorda da condução dos trabalhos, sobretudo devido aos prazos estipulados os quais entende que deveriam ser mais alargados.

Em maio, a Anafre assumia-se em "claro desacordo com o grupo de trabalho" que tem tratado o tema no Parlamento. Segundo afirmou no Parlamento o vice-presidente da associação, Jorge Amador, o processo de agregação não resolveu qualquer "problema económico em Portugal" e só aconteceu porque "não houve coragem de ir a outro sítio" fazer cortes. Sobre os prazos, referiu: "Sustentamos a nossa posição no respeito que os órgãos autárquicos nos merecem e no respeito por entidades como o Tribunal Constitucional e as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional." O DN contactou a Anafre, sobre o tema, mas não respondeu em tempo útil.

Fonte: Diário de Notícias
Foto: Pedro Rocha / Global Imagens