"Não há estratégia." Juízes acusam Ministério de interferência na aplicação da lei da amnistia
A Direção-Geral da Administração da Justiça terá feito chegar aos tribunais uma ordem para acelerar a aplicação da amnistia. No entanto, os juízes consideram que são ordens ilegais, que interferem na autonomia do poder judicial.
O Conselho Superior da Magistratura acusa o Ministério da Justiça de interferência no poder dos juízes. Em causa está a amnistia que foi decretada pela visita do Papa Francisco e que começa a valer a partir desta sexta-feira. O jornal Público conta que a Direção-Geral da Administração da Justiça deu ordens aos tribunais, que causaram indignação. Em várias comarcas, os juízes estão mesmo a recusar as ordens para acelerar a aplicação da amnistia.
O poder político não manda nos magistrados e só os juízes podem decidir a reabertura dos processos. O jornal Público avança que tem sido esta a reação dos juízes presidentes de várias comarcas, depois da Direção-Geral da Administração da Justiça ter feito chegar aos tribunais, na passada terça-feira, uma ordem para cumprir a amnistia decretada, por ocasião da vinda do Papa à Jornada Mundial da Juventude.
A amnistia entra em vigor esta sexta-feira para os crimes com pena inferior a um ano de prisão ou 120 dias de multa. É também perdoado um ano de prisão a todas as penas até oito anos. A Direção-Geral da Administração da Justiça ordenou que os mandados de libertação sejam emitidos e enviados às cadeias até esta quinta-feira. No entanto, os juízes consideram que estas são ordens ilegais, que interferem na autonomia do poder judicial. Os processos só serão reabertos antes de 1 de setembro se os juízes assim o entenderem.
Reunido na quarta-feira de emergência, o Conselho Superior de Magistratura colocou-se ao lado dos juízes, criticando o que considera uma "inusitada interferência" nos poderes dos magistrados. A Associação Sindical de Juízes também respondeu à Direção-Geral, lembrando que a interpretação da lei e a emissão de mandados de libertação compete ao poder judicial.
Em declarações à TSF, António Marçal, do Sindicato dos Funcionários Judiciais, não poupou nas críticas à atuação da Direção-Geral da Administração da Justiça.
"Há uma interferência, mas o problema de tudo isto é o facto de se ter conjugado um conjunto de situações que não foram devidamente acauteladas. Não faz sentido que uma lei de que se fala há tanto tempo entre em vigor no primeiro dia útil das pós-férias judiciais, não houve cuidado nem do legislador, nem da parte do Ministério da Justiça para acautelar estas situações em devido tempo. Aquilo que mais uma vez assistimos é correr atrás do prejuízo. Por parte do poder político, não há estratégia, nem planeamento de como as coisas podem e devem ser feitas para que elas possam ser realizadas com os meios escassos que existem", explicou.
António Marçal referiu ainda que os funcionários judiciais foram "surpreendidos" com "a divulgação por parte da Direção-Geral da Administração da Justiça de um ofício circular que se imiscuía em questões jurisdicionais".
O objetivo "era tentar evitar os constrangimentos da greve dos oficiais de justiça, marcada para a próxima sexta-feira e para a semana seguinte".
"Também pelo facto de dia 1 de setembro várias centenas de oficiais de justiça estarem em trânsito para outros tribunais, a Direção-Geral tentou antecipar a produção de efeitos de uma lei que entra em vigor apenas e só no dia 1 de setembro e por isso mereceu uma censura imediata da parte de muitos juízes presidentes", acrescentou.
A diretora que emitiu a ordem garante que nunca quis condicionar os magistrados. O certo é que, garante uma fonte judicial, não haverá condições para libertar ninguém já esta sexta-feira. Na maioria dos casos, isso deverá acontecer até 10 de setembro.
O Conselho Superior de Magistratura calcula que podem beneficiar desta amnistia cerca de mil reclusos, mas muitos deverão continuar, por enquanto, nas cadeias.
Fonte: TSF
Foto: Nuno Veiga/Lusa