SEF e PSP sob pressão para controlar 17 milhões de passageiros

Jornada Mundial da Juventude, turistas e o maior fluxo de imigrantes de sempre vão contribuir para um novo recorde de chegadas aos aeroportos nacionais. Numa altura em que a única polícia especializada em fronteiras, o SEF, está a ser desmantelada, o Sistema de Segurança Interna admite que a "taxa de esforço da PSP será aumentada" para responder à pressão inevitável.

As previsões do Sistema de Segurança Interna (SSI) apontam para a chegada a Portugal, neste verão, de 17 milhões de pessoas, só através das fronteiras aéreas, com 83 mil voos controlados. O que significa mais cinco milhões de passageiros (+26%) e mais 15 mil voos (+22%) do que em igual período do designado de "Verão IATA" - International Air Transport Association (Associação Internacional de Transportes Aéreos) - que começou a 26 março e termina a 28 de outubro.

A pressão maior estará sobre o aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, cidade onde, além da habitual onda de turistas, ainda se junta um maior fluxo de imigrantes, decorrente da nova legislação que veio facilitar a concessão de vistos, principalmente para os cidadãos da CPLP (Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa), e também a Jornada Mundial da Juventude (JMJ).

De acordo com a previsão facultada ao DN pelo SSI, para fazer face a esta enchente, "o SEF, em termos de recursos humanos, contará nos aeroportos nacionais com um total de 320 inspetores (205 em Lisboa, 65 em Faro, 50 no Porto), a que acrescerão 298 efetivos da PSP, com formação para o efeito. A estes inspetores, somar-se-ão, em caso de necessidade, e nos termos do funcionamento das escalas de prevenção, inspetores de outras Unidades Orgânicas (num total de 77 inspetores a nível nacional). À semelhança dos últimos anos, haverá igualmente o reforço com elementos do corpo europeu de guardas de fronteira da FRONTEX, com um total de 10 guardas de fronteira com destacamento nos aeroportos de Lisboa e do Porto".

Ainda assim, o gabinete do secretário-geral do SSI, Paulo Vizeu Pinheiro, antecipa que "por força das previsões do Verão IATA/2023 a taxa de esforço da PSP será aumentada para fazer face ao previsível aumento do número de passageiros".

Apesar do muito anunciado reforço dos profissionais da PSP para este período, o facto deste ser apenas parcial, "em regime de apoio operacional" - a maioria dos agentes, chefes e oficiais já formados continua a desempenhar todas as funções habituais de segurança nos aeroportos - pode baralhar estes cálculos, ainda mais quando o efetivo de outras esquadras possa ser chamado para ocorrências e não puder prestar o apoio que tem dado.

PSP "não pode fazer de conta"
Se neste momento a PSP tem formados para o controlo de fronteiras no aeroporto de Lisboa 142 agentes, 20 chefes e quatro oficiais, um total de 166 (fonte policial que está a acompanhar este treino), que corresponde praticamente ao número de inspetores que o SEF tem ali destacados (190), esta formação é ainda, na maioria dos casos, a básica que só lhes dá competências para estar na chamada primeira linha, que é a verificação de passaportes nas boxes de chegada.

Os 190 inspetores do SEF, não só asseguravam esta primeira linha, como uma segunda, onde faziam a análise das situações irregulares detetadas na primeira; uma terceira, onde é feita a análise de risco dos casos mais complexos e a peritagem documental; a coordenação dos Centros de Instalação Temporária (CIT), onde os estrangeiros a quem foi recusada a entrada aguardam o repatriamento e que ficaram conhecidos com a morte de Ihor Homeniuk no CIT de Lisboa; e ainda o controlo dos passageiros dos navios- cruzeiros do porto de Lisboa.

São todas estas competências que, de acordo com o que determina a legislação da transferência de competências do SEF, devem ser assumidas pela PSP, no máximo dentro de dois anos, sendo que no segundo ano 50% do efetivo deverá ser desta força de segurança a tempo inteiro.

Para quem está no terreno, como Renato Mendonça, presidente do Sindicato dos Inspetores de Investigação, Fiscalização e Fronteiras, é certo que a pressão vai cair sobre os mesmos de sempre. "A fronteira irá estar como sempre esteve até aqui, a trabalhar com os mesmos elementos. Não sei o que se passa na PSP, porque ao contrário da GNR, não se vislumbram elementos formados para assumirem as competências, principalmente chefias. Não os vemos. Numa altura destas já seria normal terem começado a tomar contacto com as novas competências que vão herdar. Mas nem fazem noites", afiança.

Ainda assim, este dirigente sindical diz acreditar que " a JMJ, no que às fronteiras aéreas diz respeito, não acrescentarão muita coisa ao trabalho normal aí desenvolvido, considerando que mais de dois terços dos participantes são europeus e que de Estados terceiros, muitos entrarão na Europa por aeroportos de outros países".

Por seu lado, Acácio Pereira, presidente do mais representativo Sindicato da Carreira de Fiscalização e Investigação, sublinha que, apesar de estar já previsto que sejam "elementos de unidades do SEF de outras zonas do país a reforçar os colegas do aeroporto" nos dias de maior intensidade de passageiros", sugere que "é necessário que a PSP também responda e assuma as suas responsabilidades. Não pode fazer de conta. Esta substituição é um processo progressivo e, progressivamente, até dia 29 de outubro (data em que a extinção do SEF é executada) devem estar em pleno".

"Sendo um pouco irónico", assinala, "não se pode ter acabado com o SEF porque não tinha gente e transfere-se o seu trabalho para outra polícia que também não tem".

Limitações de efetivo
O presidente do maior sindicato da PSP, a Associação Sindical de Profissionais de Polícia (ASPP) fez, a pedido do DN, um ponto de situação nestas fronteiras e a sua conclusão corrobora em parte a apreensão dos seus homólogos do SEF.

"Para conceber este processo de reestruturação numa área tão sensível como são as fronteiras, importa perceber a realidade da PSP no campo do seu funcionamento, limitações ao nível de efetivo, quer o existente, quer os candidatos, recursos e competências. Falamos de uma PSP que tem nos últimos anos atravessado um quadro de aumento de incumbências, tarefas, responsabilidades, mas com um investimento muito abaixo das suas necessidades. Temos de ter a noção que a transição de parte das competências do SEF para a PSP surge num contexto de um quadro gravíssimo que se percebe, por exemplo, no curso que decorre na Escola Prática da Polícia, apenas com a presença de cerca de 550 formandos, num concurso que seria para 1020, ou, por exemplo, num atual concurso onde apenas há pouco mais de 1000 candidatos, após a primeira prova concluída", assinala Paulo Jorge Santos.

Acresce a isto, salienta, "um quadro remuneratório que inicia nos 899 euros e com polícias à espera de promoção há anos, onde agentes, chefes e oficiais sentem claramente uma desvalorização da sua condição policial. São estes homens e mulheres que estão a ser envolvidos num processo complexo para desenvolver uma missão que outrora foi desenvolvida por outros profissionais muito mais bem pagos e dignificados".

O presidente da ASPP lembra também as "deficiências na realidade das esquadras aeroportuárias da PSP", quando "o serviço policial da PSP está cada vez mais exigente, complexo e arriscado", sendo que "com esta reestruturação subsiste a preocupação".

No seu entender, "o ministro da Administração Interna deveria ter tido sensibilidade política para fazer uma melhor gestão deste processo e ter envolvido os profissionais da PSP neste processo".

Conclui com um aviso: "os polícias da PSP são de excelência e capazes, mas há nuances que importa não descurar no sentido de poderem desenvolver todas as missões que lhes forem incumbidas e daí também a nossa preocupação pelos polícias que vão desenvolver essas missões e que se nada for acautelado podem vir mais tarde a ser alvo de criticas".

Controlos de segurança aleatórios
Recorde-se que a transferência das competências policiais do SEF para a PSP (tal como para a GNR nas fronteiras terrestres e marítimas) vai concretizar-se a 29 de outubro.

O regime de transição de trabalhadores do SEF estabelece que os inspetores vão todos ser transferidos para a PJ, existindo "um regime de afetação funcional transitória", que permite aos inspetores do SEF exercerem funções, ainda durante mais um a dois anos, sob comando da GNR e da PSP nos postos de fronteira aérea e marítima.

Até terminar este deadline, ambas as forças de segurança terão de ter, pelo menos, tantos elementos nas fronteiras quanto tinha o SEF. Nos aeroportos essa missão passa por assumir o controlo e competências nas três linhas de chegada e os CIT.

Com a JMJ à porta, considerado o maior acontecimento da Igreja Católica e que contará com a presença do Papa Francisco, o Governo já anunciou que o controlo documental nas fronteiras aéreas, marítimas e terrestres durante a semana da JMJ - entre um e sete de agosto - será feito de forma aleatória e quando as forças de segurança considerarem adequado.

Na passada quinta-feira foi aprovada em Conselho de Ministros uma resolução que "determina a reintrodução do controlo documental de pessoas nas fronteiras nacionais durante a Jornada Mundial da Juventude de 2023, por razões de segurança interna e ordem pública, à semelhança do procedimento anteriormente adotado no âmbito da visita do Papa a Portugal, em 2017".

Segundo declarou o secretário-geral do SSI em entrevista ao JN, o número de visitantes pode ultrapassar o milhão: "Em meados de julho é quando já teremos dados mais fiáveis, quer de programas e eventuais visitas de altas entidades, quer todas as previsões de participantes. Neste momento temos aproximadamente 260 e tal mil inscritos, e por extrapolação estamos a apontar para 700 mil, num cenário mais conservador, ou um milhão e 200 mil", afiançou.

Fonte: Diário de Notícias