Revisão constitucional. Vão acabar as discussões e começar as votações

Até agora os deputados só fizeram na comissão uma leitura comparada dos projetos, permitindo-se assim perceber onde estão as matérias de consenso. Mas sem votações.

Está prestes a terminar a primeira fase do processo de revisão constitucional em curso, fase de leitura comparada dos oitos projetos apresentados (um por cada partido com assento parlamentar). Para já, o tempo foi apenas de discussão dos artigos apresentados, prevendo-se que comece em setembro a segunda fase, esta já com votações.

Nessa altura, os partidos poderão começar apresentar propostas de alteração às suas iniciativas ou ao texto de outras bancadas, mas apenas nos artigos que foram objeto de propostas na primeira fase, não podendo "mexer" em novos artigos. Inicialmente, foram apresentadas pelos oito partidos 393 propostas de alteração, revogação e aditamento de artigos à Lei Fundamental. A primeira Constituição da democracia foi aprovada em 1976 e este é o 12º processo de revisão. Se for concluída com sucesso, será a oitava revisão da Constituição, quase 20 anos depois da anterior mudança (2005) e mais de dez após a última grande tentativa de a alterar (2010/2011), falhada devido à dissolução do Parlamento.

Atualmente, embora estando-se no fim da primeira fase, o processo está longe do fim e na verdade já se fizeram ouvir ameaças de rutura. O PSD tem alertado que, se for apenas para alterar na lei fundamental o que o PS pretende, não dará o necessário acordo e a revisão ficará, mais uma vez, pelo caminho. Esse recado foi recentemente reforçado pelo presidente Luís Montenegro: "Só vai haver revisão constitucional se for para mudar algumas coisas na Constituição, não é para mudar apenas aquilo que o PS quer. O PSD não vai dar borlas constitucionais ao PS".

Em novembro do ano passado, o secretário-geral do PS, António Costa, "fechou" desde logo o âmbito de uma revisão que o PSD pretendia mais ampla, ao anunciar que os socialistas iriam rejeitar propostas sobre matérias institucionais, alegando que essa discussão seria incompreensível para os cidadãos num contexto de guerra na Europa. Costa recusou também qualquer consenso à volta de alterações sobre as autonomias regionais - matéria sobre a qual o PSD tem bastantes propostas -, considerando que seria um desrespeito pelo trabalho que está a ser desenvolvido nas assembleias legislativas dos Açores e da Madeira, admitindo fazer, no futuro, um processo de revisão constitucional extraordinário sobre essa matéria. O líder socialista e primeiro-ministro delimitou, desde logo, o processo a três áreas: aprofundar e consolidar direitos fundamentais, reforçar o Estado e resolver questões "indispensáveis" ao nível da segurança, designadamente os combates ao terrorismo e a pandemias.

A expectativa do presidente da comissão eventual, o social-democrata José Silvano, é de que os trabalhos não se estendam para lá de 2023, já tendo sido aprovado em plenário o prolongamento dos trabalhos até final do ano. A comissão eventual já teve dois presidentes indicados pelo PSD: primeiro, Joaquim Pinto Moreira, que renunciou ao cargo quando o seu nome foi envolvido na investigação judicial "Operação Vórtex", e depois José Silvano, ex-secretário-geral do PSD na anterior liderança de Rui Rio.

Onde há acordo
Emergência sanitária
PS e PSD foram os dois únicos partidos a concordar incluir na Constituição a privação da liberdade para doentes graves e contagiosos, ainda que sem estado de emergência, com os restantes partidos a considerarem que se deve manter o atual quadro jurídico. Ambos os partidos optam por acrescentar no artigo que regula o direito à liberdade e segurança (27.º) uma nova exceção às atuais normas que já permitem a privação da liberdade, embora com diferentes formulações, manifestando-se disponíveis para chegar a um texto comum.

Metadados
PS e PSD concordaram que os serviços de informações devem poder aceder aos dados de contexto das comunicações, salientando que tal nada tem a ver com problemas recentes relacionados com a inconstitucionalidade da lei que regula o uso de metadados em investigações criminais. Os coordenadores dos dois partidos, Pedro Delgado Alves (PS) e André Coelho Lima (PSD), frisaram que a atual revisão constitucional apenas irá decidir se os serviços de informações devem ou não ter acesso a estes dados de contexto (que podem incluir informações sobre tráfego ou de localização do equipamento, mas não ai conteúdo das comunicações). Neste artigo, relativo à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, PS e PSD têm formulações diferentes, mas manifestaram-se disponíveis para convergências, e, dos restantes partidos, apenas o Chega manifestou disponibilidade para apoiar a mudança.

Bem-estar animal

Os partidos concordaram em consagrar na Constituição a promoção do bem-estar animal para tentar ultrapassar várias declarações de inconstitucionalidade da lei dos maus tratos a animais. Em concreto, pretende-se alterar o artigo 66.º sobre ambiente e qualidade de vida, com o PS a propor como uma incumbência do Estado a promoção do bem-estar animal, e o BE criar um artigo autónomo sobre o tema, o que mereceu a concordância generalizada dos restantes partido. Em janeiro, o Ministério Público pediu a inconstitucionalidade da norma que criminaliza com multa ou prisão quem, sem motivo legítimo, mate ou maltrate animais de companhia.

Fonte: Diário de Notícias