Proibição de outsourcing após despedimento coletivo é inconstitucional, dizem advogados
Conselho Nacional das Confederações Patronais aguarda esta semana parecer sobre constitucionalidade da Lei do Trabalho, para avançar com reuniões com os grupos parlamentares.
O Conselho Nacional das Confederações Patronais ainda aguarda parecer sobre a constitucionalidade das alterações feitas à nova Lei do Trabalho que entra em vigor em maio, mas junto dos advogados ouvidos pela ECO Pessoas parece haver poucas dúvidas de que a proibição do outsourcing, depois de um despedimento coletivo, não só é “altamente cerceadora da liberdade empresarial” como “restringe o direito constitucionalmente garantido da liberdade de iniciativa económica”.
A proibição do recurso ao outsourcing 12 meses após um despedimento coletivo é um dos temas que levou o Conselho Nacional das Confederações Patronais (CNCP) a pedir que Marcelo Rebelo de Sousa enviasse a lei para o Tribunal Constitucional. A lei foi promulgada, entrando em vigor em maio, mas o Conselho Nacional mantém a estratégia de avançar com um pedido de inconstitucionalidade do diploma, tendo solicitado um parecer a Pedro Romano Martinez, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, e presidente do Instituto de Direito do Trabalho, e a Luís Gonçalves da Silva, coautor do Código de Trabalho de 2003 e respetiva legislação complementar.
“Aguardamos o parecer esta semana e depois vamos pedir audiências aos grupos parlamentares”, adianta João Vieira Lopes, porta-voz do CNCP, à ECO Pessoas.
Se 25 deputados apoiarem as posições do Conselho Nacional – que reúne a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), a Confederação Empresarial de Portugal (CIP), a Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI) e a Confederação do Turismo de Portugal (CTP) – pode ser pedida a fiscalização sucessiva da Lei ao Tribunal Constitucional.
O que dizem os advogados sobre o artigo 338.ºA
Entre os artigos que suscitam dúvida ao Conselho Nacional está o 338.º-A: “Não é permitido recorrer à aquisição de serviços externos a entidade terceira para satisfação de necessidades que foram asseguradas por trabalhador cujo contrato tenha cessado nos 12 meses anteriores por despedimento coletivo ou despedimento por extinção de posto de trabalho”, pode ler-se no diploma. A sua violação “constitui contraordenação muito grave imputável ao beneficiário da aquisição de serviços.”
Luís Gonçalves da Silva não tem dúvidas. “A alteração introduzida suscita, desde logo, problemas de compatibilidade constitucional face a diversos direitos fundamentais, nomeadamente à liberdade de iniciativa económica, propriedade privada e liberdade de trabalho, realizando-se uma restrição desproporcional destes direitos“, considera o consultor da Abreu Advogados.
E o mesmo considera Mariana Caldeira de Sarávia considerando que o artigo é constitucional e economicamente “duvidoso”. Para a sócia no Departamento de Laboral da SRS Legal, a limitação de 12 meses da terceirização de serviços – quando estes visem atividades anteriormente asseguradas por trabalhadores da empresa, despedidos, por via despedimento coletivo ou extinção de posto de trabalho – é não só “uma limitação surpreendente e sem precedentes na nossa legislação laboral”, como, do seu ponto de vista, “desnecessária e desprovida de justificação, contrária àquela que tem sido uma prática comum, e altamente cerceadora da liberdade empresarial.”
E porquê? “Que sentido faz proibir uma empresa que tem nos seus quadros uma empregada de limpeza ou um guarda-vigilante e que se depara com dificuldades financeiras, de contratar uma empresa de limpeza ou de segurança para assegurar os referidos serviços a um custo mais baixo? Ou uma micro-empresa, nas mesmas circunstâncias, de externalizar os serviços de contabilidade?”, questiona.
Por isso, considera “indubitável que este novo artigo restringe o direito constitucionalmente garantido da liberdade de iniciativa económica, subsistindo dúvidas – relativamente às quais o Tribunal Constitucional não foi chamado a pronunciar-se – sobre se o faz de forma ‘constitucionalmente admissível’.”
Ricardo Nascimento partilha da mesma visão. O partner da Pragma Advogados diz concordar com as preocupações do Conselho Nacional neste tema. “Se a empresa deixa de poder despedir para abdicar de custos fixos, para passar a ter custos variáveis, passando a pagar apenas à medida que utiliza os serviços em outsourcing, tal viola o princípio constitucional da liberdade de iniciativa económica (cf. art. 61.º da Constituição da República Portuguesa). Com efeito, a empresa deixa de ter a liberdade de se reinventar e reorganizar”, aponta o também Doutorado em Direito do Trabalho.
Antes desta alteração legislativa, lembra Ricardo Nascimento, a externalização de uma determinada atividade ou setor da empresa poderia ser um fundamento para a cessação de contratos. Ora, o novo diploma, “proíbe tal possibilidade e os empregadores passam a ser obrigados a desenvolver uma atividade que podem já não ter interesse em desenvolver, ficando impossibilitados de modelar a sua atividade como lhes aprouver, dedicando-se apenas ao seu core business.”
“É uma alteração muito penalizadora, gravosa e onerosa para as empresas. Não faz o menor sentido, pois ao externalizar determinadas atividades do seu negócio, a empresa ficava dispensada de investir em infraestruturas, equipamentos, tecnologia e outros bens e serviços, reduzindo custos que podem salvar o futuro da própria empresa e os restantes postos de trabalho”, considera o partner da Pragma Advogados. “Com a alteração legislativa, o empregador deixa de poder fazer um despedimento coletivo para se poder especializar naquilo que faz melhor, melhorando a qualidade do serviço da sua empresa.”
“Esta regra tem também a particularidade de se aplicar não só ao empregador, mas também a todas as empresas do mesmo grupo“, começa por referir Pedro Antunes, sócio e coordenador de Laboral da CCA Law Firm.
“Há algum tempo que o Governo queria impor esta limitação, igual à que já existia quando uma empresa pretendia contratar a termo para cobrir postos de trabalho abrangidos por aqueles despedimentos, sendo que esta mudança agora publicada é radical e muito penalizadora para as empresas, dado que muitas empresas externalizam os seus serviços, fazendo transitar determinadas funções para empresas outsourcing, trazendo uma poupança para os custos fixos que estavam associados às contratações laborais, ficando também dispensada de investir em infraestruturas, tecnologia e equipamentos”, diz.
Com a nova Lei, as “empresas não só ficam impedidas de fundamentar os seus despedimentos com base na externalização de serviços, como ficam expressamente impedidas de o fazer, sob pena dos despedimentos serem infundados e ilícitos, com todas as consequências legais que tal acarreta, como seja no limite a reintegração dos trabalhadores”.
Para o sócio e coordenador de Laboral da CCA Law Firm “existem duas razões para se pôr em causa a constitucionalidade” do artigo. Por um lado, considera que é “uma violação do exercício da norma constitucional que defende a sua ‘liberdade de iniciativa económica’ e do seu ‘direito de propriedade’, por se revelar desadequada, desnecessária e desproporcional, face a esta norma que pretende proibir o outsourcing, estando em contradição com a tendência dos mercados internacionais, com a tendência do foco no seu próprio negócio e na especialização da sua atividade, recorrendo a adaptações várias, com vista a tornarem-se mais eficientes e competitivos”, elenca em primeiro lugar.
E, em segundo, a “falta de apreciação de tal norma, em sede de apreciação de Concertação Social, dado que é uma limitação essencial para a vida das empresas e dos próprios trabalhadores que querem um sistema o mais disruptivo possível, mas no qual o legislador continua a caminhar em sentido contrário”.
Para Inês Krusse Gomes, sócia de Laboral da KGSA, uma classificação de constitucional ou inconstitucional depende da forma como for interpretado o artigo. “A lei não esclarece cabalmente é se a externalização de serviços previamente ao despedimento – e até eventualmente como sua causa – também fica proibida, sendo que a interpretação da lei, e confiando que o legislador soube exprimir a sua intenção em termos adequados, é que essa externalização prévia e causa da extinção ou da desnecessidade do posto de trabalho não está proibida por esta norma”, aponta.
“Se a interpretação vier a ser a que entendemos ser a correta – proibição só após o despedimento e não a proibição da externalização antes do despedimento – não haverá inconstitucionalidade porque se trata de estender à prestação de serviços uma proibição que já é hoje clara quanto à contratação de outros trabalhadores”, argumenta.
Mariana Caldeira de Sarávia alerta ainda para outro potencial entrave do artigo. “Embora a lei aluda a 12 meses, importa ter presente que os processos de extinção de posto de trabalho e de despedimento coletivo têm uma tramitação que dura cerca de um mês, e implicam a observância de pré-avisos que podem ir até aos 75 dias, o que significa que a referida limitação de 12 meses pode só terminar decorridos 15 meses e meio sobre a data de início do processo de extinção de posto de trabalho ou de despedimento coletivo“, aponta a sócia no Departamento de Laboral da SRS Legal.
Prazos que têm de ser considerados na justa medida em que a violação do artigo constitui contraordenação muito grave, “punível com uma coima que dependendo do volume dos negócios e do caráter negligente ou doloso da conduta“: que varia entre um mínimo de 2.040,00 euros a 4.080,00 euros, em caso de negligência, e de 4.590,00 euros a 9.690,00 euros, em caso de dolo, “se praticada por empresa com volume de negócios inferior a 500.000,00 euros, podendo atingir um máximo de entre 30.600,00 euros a 61.200,00 euros, em caso de dolo e para empresas com volume de negócios igual ou superior a 10.000.000,00 euros”, aponta Inês Krusse Gomes, sócia de Laboral da KGSA.
Fonte: Eco