Polícias de 30 países em Lisboa para discutir metadados
Judiciária promove conferência da qual deverão sair sugestões para resolver imbróglio que tem feito perigar muitas investigações criminais.
Representantes de forças policiais de 30 países vão estar em Lisboa na próxima quarta e quinta-feira a convite da Polícia Judiciária, para discutirem a melhor forma de lidarem com as restrições impostas às investigações por via dos metadados.
O anúncio foi feito pelo director nacional da Polícia Judiciária, Luís Neves, no podcast Soberania, do Diário de Notícias. O objectivo é que saia desta reunião de alto nível uma declaração conjunta sobre a "desigualdade" entre as capacidades das forças da ordem e as dos criminosos depois de o Tribunal de Justiça da União Europeia ter considerado que a conservação de metadados pelas operadoras de telemóvel para fins de investigação criminal era demasiado intrusiva da privacidade dos cidadãos nos moldes em que foi feita até aqui. Em Portugal, e até o Tribunal Constitucional ter decretado a inconstitucionalidade da lei dos metadados, em Abril do ano passado, as operadoras eram obrigadas a conservar estes dados durante um ano.
Não dizendo respeito ao conteúdo das comunicações, sejam mensagens ou telefonemas, os metadados permitem saber quem ligou ou enviou mensagens a quem, durante quanto tempo e em que zona estava quando o fez. A decisão do Tribunal Constitucional surgiu depois de a provedora de Justiça ter pedido aos juízes do Palácio Ratton para se pronunciarem sobre o assunto, uma vez que o Ministério da Justiça não se tinha disposto a alterar a lei no sentido de a adaptar às exigências do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Ouvido no Parlamento sobre o assunto há seis meses, Luís Neves referiu-se à interdição do uso de metadados nas investigações criminais como “trágica” e como sendo “um retrocesso civilizacional”. Desde aí, foram já vários os casos mediáticos afectados por estas restrições.
O último deles foi o processo do roubo de Tancos, cuja sentença foi mandada refazer por um tribunal de segunda instância por forma a ser expurgada de meios de prova assentes em metadados dos arguidos – o que pode significar a redução das penas de alguns deles, ou no limite a sua absolvição. Antes disso, soube-se que o Ministério Público tinha demorado cinco meses até conseguir a autorização judicial para solicitar à operadora a localização celular das comunicações de uma adolescente que desapareceu em Maio de 2022, na região de Leiria. Na altura, as autoridades e os próprios pais ignoravam que não se tratava de um caso de vida ou morte.
Também no caso de Jessica, a menina espancada até à morte em Setúbal, o juiz de instrução demorou cinco meses a autorizar os investigadores a aceder aos dados do telemóvel da vidente suspeita de ter ajudado a torturar a criança.
Do encontro de polícias em Lisboa deverão resultar não apenas meras críticas à actual situação, mas também sugestões de conciliação entre "o que cada cidadão e o legislador estão dispostos a dar" para terem "um Estado seguro, respeitador do ponto de vista da reacção da justiça”, numa altura em que estas restrições já destruíram dezenas de casos de pornografia infantil. Discutidos serão também meios de obtenção de prova alternativos aos metadados.
"O acesso aos dados de tráfego por parte das autoridades pode salvar a vida de uma pessoa. Da mesma forma, podem provar que determinado suspeito não cometeu nenhum crime, porque estava noutro local àquela hora", exemplifica o director da Judiciária, em declarações ao PÚBLICO.
A conferência "Metadata Law Enforcement" contará com a presença da directora executiva da Europol, Catherine De Bolle, e também da Comissária para Assuntos Internos da União Europeia, Ylva Johansson. Embora os trabalhos decorram à porta fechada, serão abertos em dois momentos à comunicação social, na abertura e na apresentação de conclusões.
Fonte: Público
Foto: Nuno Ferreira Santos