Abuso de menores. Igreja Católica debaixo de fogo
Partidos começam a verbalizar indignação com Conferência Episcopal. Patriarca de Lisboa diz que nem os bispos podem suspender padres - só o Vaticano.
A julgar pelas reações públicas, oriundas dos mais diversos setores, católicos ou não, correu mal a conferência de imprensa de sexta-feira passada onde o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), bispo José Ornelas, explicou o que irá a hierarquia fazer com as conclusões da comissão que investigou os abusos de menores na Igreja Católica.
O tom geral é de censura pelo facto de não ter existido um compromisso de afastamento imediato dos membros do clero suspeitos de abusar de menores. A CEP recebeu da comissão liderada por Pedro Strecht uma lista com nomes - que a comissão também enviou para o MP - mas só se comprometeu a enviá-la para as dioceses, para estas averiguarem mais. "Não posso tirar uma pessoa do ministério só porque chegou alguém que disse "este senhor abusou de alguém". Mas quem foi que disse, em que lugar, onde? Tirar do ministério é uma coisa grave", explicou o presidente da CEP. Ornelas e a hierarquia estão também a ser duramente criticados por recusarem a ideia de que a Igreja deve indemnizar as vítimas: isso deve ser da responsabilidade dos abusadores.
Este domingo, ao fim da tarde, Manuel Clemente, bispo patriarca de Lisboa, acabou por atirar mais gasolina para a fogueira, dizendo que nem os bispos podem suspender padres suspeitos, só o Vaticano: "Essa é uma pena muito grave, é a mais grave que a Santa Sé poderá dar e é a Santa Sé que a poderá dar." Ou, por outras palavras: "Se nós tivermos factos, e factos comprovados e sujeitos a contraditório, claro - nós estamos num país de direito e de leis - só pode ser feita pela Santa Sé, não é uma coisa que um bispo possa fazer por si."
"Insulto enorme"
No universo partidário, as críticas também já se fizeram ouvir - embora para já a maior parte dos partidos, começando pelos do "centrão" (PS e PSD), se mantenha em silêncio. Antes da conferência de imprensa da CEP, o que se sabia é que o Chega queria ouvir no Parlamento o patriarca de Lisboa e o PSD a comissão dirigida por Pedro Strecht.
A voz mais indignada foi a de Catarina Martins. "Insulto enorme" - foi como a (ainda) líder do Bloco de Esquerda qualificou o comportamento dos bispos portugueses: "Não consigo explicar como é possível os bispos terem achado que podiam fazer aquela conferência de imprensa, que não tenham percebido o insulto enorme a todas as pessoas católicas deste país." "Se a igreja quer fechar os olhos, o país não pode fechar os olhos. E é preciso uma nova comissão independente e uma comissão independente que dê segurança às vítimas para fazerem as suas denúncias. E dê também segurança ao país, que ao proteger as vítimas e ao tirar consequências do que aconteceu, seja também capaz de tornar visível o encobrimento terrível que a igreja católica fez e continua a fazer", acrescentou.
O Livre também produziu um comunicado: "Pedir perdão não chega. Ficámos a saber que os apoios que foram anunciados foram essencialmente um inconsequente memorial; apoio espiritual, psicológico e apoio psiquiátrico quando o que no mínimo se esperava é que o mesmo valor do investimento feito na Jornada Mundial da Juventude iniciasse já a criação de um fundo para indemnizar as vítimas."
E ficou a promessa: "Acompanharemos as iniciativas, na revisão e alargamento dos prazos de prescrição para crimes de abuso sexual, em particular de menores, iniciativas de criação de mecanismos de apoio psicológico e acompanhamento aos sobreviventes destes crimes, o aumento de financiamento a estes apoios e o reforço de planos de informação e de combate aos abusos sexuais, a criação de linhas permanentes de apoio e de serviços dedicados no SNS; a articulação com instituições da sociedade civil já no terreno, e a criação de uma comissão análoga, multidisciplinar, para alargar o trabalho agora iniciado aos abusos sexuais de menores na comunidade e, sobretudo, à sua prevenção."
Fonte: Diário de Notícias
Foto: Paulo Novais / LUSA