Um ano de conflito e a economia portuguesa volta a ficar à beira da estagnação
Nos últimos quatro dias apurados pelo Banco de Portugal (16 a 19 de fevereiro), a economia entrou em contração. É preciso recuar às vésperas do último Natal para encontrar um recuo mais longo na atividade.
A economia portuguesa está novamente, neste preciso momento, à beira da estagnação, revelou ontem o Banco de Portugal (BdP).
De acordo com o indicador diário de atividade económica, a média móvel semanal que mede o andamento da economia registou uma expansão de apenas 0,6% na semana que terminou a 19 de fevereiro, comparativamente ao mesmo período do ano passado.
Ou seja, um ano depois de a guerra da Rússia contra a Ucrânia ter começado, da subida agressiva da inflação e da reação do Banco Central Europeu (BCE), que começou também a subir taxas de juro de forma acelerada para arrefecer os preços, as consequências negativas sobre o crescimento nacional já são bem visíveis.
Todos os outros países europeus queixam-se do mesmo. A crise energética e geopolítica começou a bater a sério.
O ano de 2023 até arrancou relativamente bem, apesar de alguns solavancos, mas desde o início de fevereiro que o declínio na expansão da atividade é notório.
No início deste mês, a economia estava a recuperar, tendo atingido um crescimento homólogo (média móvel semanal) de quase 10% a 4 de fevereiro, mas desde então foi só perder gás.
Como referido, a leitura mais recente deste indicador do banco central diz-nos que Portugal estará a crescer apenas 0,6% em meados de fevereiro, sendo que nos últimos quatro dias apurados (de 16 a 19 de fevereiro) a economia entrou de novo em contração.
É preciso recuar às vésperas do último Natal para encontrar mais dias seguidos de recuo na atividade, mostram os dados do BdP.
Medir luz, gás, carga, compras com cartão quase em tempo real
Este indicador de alta frequência calculado pelo banco governado por Mário Centeno "cobre diversas dimensões correlacionadas com a atividade económica em Portugal".
Faz uma síntese de informação "das seguintes variáveis diárias: tráfego rodoviário de veículos comerciais pesados nas autoestradas, consumo de eletricidade e de gás natural, carga e correio desembarcados nos aeroportos nacionais e compras efetuadas com cartões em Portugal por residentes e não residentes", explica o BdP.
Olhando em retrospetiva, desde o dia da invasão russa, percebe-se que o andamento do produto interno bruto (PIB), um indicador apurado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), também está a abrandar de forma evidente.
No primeiro trimestre de 2022, a economia cresceu 12% em termos reais face a igual período de 2021 (um tempo especialmente marcado pela fase mais mortífera da pandemia), mas daí em diante o ritmo da retoma perdeu a força.
O produto interno ainda avançou 7,4% no segundo trimestre, mas voltou a baixar para 4,9% no terceiro e 3,1% nos últimos três meses do ano.
Este perfil de crescimento permitiu à economia expandir-se uns impressionantes 6,7% no ano passado, muito apoiada pela inflação (que insuflou a faturação de muitas empresas e setores e a própria coleta de impostos e contribuições).
E este ano, o caso muda mesmo de figura. A Comissão Europeia, que publicou previsões novas na semana passada para todos os países da União Europeia, projeta um crescimento de apenas 1% em 2023, no caso de Portugal.
E diz que, no primeiro trimestre, a economia nacional estagna face aos últimos três meses de 2022.
Em todo o caso, para já e num clima de alta incerteza, tudo aponta para que o país consiga evitar a recessão técnica (dois trimestres seguidos de contração trimestral, em cadeia, do PIB). Mas o mal está feito e as consequências estão a materializar-se.
O investimento está a marcar passo, as famílias estão a conter o consumo, as prestações bancárias dispararam, o rendimento disponível emagrece rapidamente, sobretudo entre os mais pobres e a classe média baixa, indicam vários estudos recentes, do BdP à CE.
O futuro próximo também não está de feição porque o BCE vai continuar a subir taxas de juro, o que apertará ainda mais os endividados, o crescimento a crédito, muitos projetos de investimento. Há adiamento de decisões e a confiança de muitos empresários está amarrada a este ambiente de crise.
Além disso, há fortes constrangimentos ao nível do setor público. O governo quer manter as "contas certas" e continuar a reduzir o défice e a dívida, mas isso pode implicar fatura sobre o crescimento.
O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), um pacote avaliado em 16,6 mil milhões de euros (a executar até 2026) está muito atrasado, por exemplo.
"Cenário macro carregado de incerteza"
O gabinete de estudos económicos do BPI refere que "para o conjunto de 2023, esperamos que a economia portuguesa avance 1%, uma desaceleração significativa face ao crescimento nos últimos dois anos, que em muito refletirá uma correção face ao impacto da pandemia na atividade em 2020-21, traduzindo também o pleno impacto do aumento dos juros na zona euro e a perda de poder de compra cumulativa".
"Como tem sido constante nos últimos anos, o cenário macro vem carregado de incerteza e 2023 não é diferente, parecendo os riscos equilibrados atualmente, mas com a sensação de que algo pode correr mal (de novo)", diz Teresa Gil Pinheiro, economista sénior do BPI.
"Será que a atual vaga de frio na Europa se prolongará, colocando pressão sobre os preços? E a abertura da China refletir-se-á no encarecimento da energia? Neste caso, a pressão sobre os preços aumentaria e a inflação seria mais elevada; o banco central tenderia a ser mais restritivo, limitando ainda mais o consumo e o investimento. Esperemos que não", remata a analista.
Para os peritos do BPI, "ainda que se mantenha a expectativa de crescimento da economia (de 1% em 2023), é provável que o mercado de trabalho sofra uma correção nos próximos meses".
"Estimamos que a taxa de desemprego em 2023 aumente ligeiramente para 6,4% [da população ativa] e a criação de novos postos de trabalho perca fôlego".
"Ainda assim, a escassez de mão-de-obra reportada por vários setores e o facto de não anteciparmos contração da economia serão fatores de suporte ao mercado de trabalho português", acrescentam os economistas do banco privado.
Do lado positivo, a economia parece poder continuar a contar com algumas bolsas de oxigénio.
O turismo continua fulgurante e há grandes eventos agendados (Jornada Mundial da Juventude, Web Summit, etc.). E o pacote Mais Habitação, com o qual o governo estima injetar na economia mais de 900 milhões de euros, pelo menos.
Fonte: Diário de Notícias