Plano da Habitação: Alojamento Local já trava contratação e espera corrida a licenças fantasma
A proibição de emissões de novas licenças de AL está a criar uma onda de instabilidade no setor. ALEP admite elevada procura aos novos registos nas próximas semanas, numa derradeira tentativa de garantir entrada no negócio, mas casas deverão ficar vazias.
Começaram os preparativos para o funeral, ainda sem data anunciada. António Costa ditou esta semana o fim da emissão de novas licenças de Alojamento Local (AL), com a exceção dos alojamentos rurais em concelhos do interior do país sem pressão urbanística. A Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP) acusa o governo de "matar o setor de forma coerciva" e de colocar um ponto final a uma atividade que cria "mais de 100 mil empregos e que aloja 40% do turismo do país".
Com a incerteza como pano de fundo, refreiam-se os planos para o futuro e apenas dois dias após o anúncio, os impactos já se sentem. A GuestReady, empresa responsável pela gestão de mais de mil propriedades de alojamento no país colocou um travão ao seu plano de expansão e deu um passo atrás na criação de emprego.
"Neste momento, fomos já obrigados a suspender todas as novas contratações, porque contávamos com previsões de crescimento que já não podemos assumir que ainda irão acontecer", admite ao Dinheiro Vivo o diretor-geral da GuestReady em Portugal e Espanha, Rui Silva.
Já o membro da direção da ALEP, Nuno Trigo, traça um cenário atual de "total instabilidade". "Não existe nenhum setor de atividade em Portugal que tenha um prazo de término. Não se vai agora contratar pessoas com contratos sem termo, nem fazer investimento a mais do que o prazo de licença, não existe confiança nenhuma", lamenta. O responsável da delegação Porto e Norte da associação conta que o telefone não tem parado de tocar desde que, no fim da tarde de quinta-feira passada, António Costa apresentou ao país o programa "Mais Habitação", na companhia do ministro das Finanças e da ministra que tutela a área. Do outro lado do telefone estão empresas que dependem do AL para sobreviver.
"Temos sido contactados por prestadores de serviços das mais diversas áreas, empresas de limpeza, lavandarias, animação turística que nos perguntam se vão continuar a ter clientes", diz. Mas a notícia que Portugal vai proibir o Alojamento Local nas grandes cidades já saltou fronteiras e atraiu o interesse da comunicação social estrangeira. "Fomos interpelados pela imprensa de Espanha e Brasil. Portugal era visto como um case study lá fora, como um bom exemplo no AL, e os jornalistas estrangeiros querem saber o que se passa para ter sido tomada esta decisão num país que depende do turismo", conta.
Corrida às licenças fantasma
O pacote de medidas para a Habitação, aprovado pelo Conselho de Ministros, que custará ao Estado 900 milhões de euros, e que visa responder ao problema da habitação e da especulação imobiliária, seguirá agora para discussão pública durante um mês para que possam depois ser aprovadas em definitivo, no Conselho de Ministros agendado para 16 de março.
Até lá, a ALEP admite que exista uma corrida a novas licenças, numa derradeira oportunidade de os proprietários colocarem os seus imóveis no mercado do AL. Mas, em muitos casos, o intuito não será o de iniciar a atividade de imediato. "Com esta instabilidade é possível que as pessoas queiram agarrar as poucas coisas que têm, como tentar tirar uma licença, muitas ao ponto de não ser para a utilizar, mas para aproveitar as últimas benesses", admite Nuno Trigo.
O representante da ALEP sublinha que a associação "não defende esta prática", adiantando que o setor precisa de "soluções estruturadas", mas que, ainda assim, compreende que este seja um dos efeitos da instabilidade causada pela comunicação do governo.
E este não será um comportamento novo. Também o anúncio da suspensão de novos registos de Alojamento Local, em 14 freguesias de Lisboa, que entrou em vigor em abril do ano passado, fez a procura na capital disparar 382% no primeiro trimestre de 2022, conforme o Dinheiro Vivo avançou na altura.
Incentivos para arrendamento tradicional não terão expressão
Com o intuito de instigar os proprietários a abandonar a atividade do AL transferindo os imóveis para o mercado de arrendamento tradicional, o primeiro-ministro avançou ainda com um trunfo fiscal. Quem fizer esta mudança até ao final de 2024, terá isenção de IRS sobre as rendas até 2030. "A taxa zero de IRS para os alojamentos locais que entrem no arrendamento é temporária, provisória, vigorando até 2030, e tem por objetivo compensar a quebra de rendimento que resulta da passagem do imóvel de uma atividade mais lucrativa para uma atividade menos rentável", disse António Costa. Para a ALEP esta medida "não irá resolver o problema da habitação e não terá impacto no setor".
"Nunca fomos contra medidas que promovessem uma possível mudança do AL para o tradicional, se os proprietários virem que, de facto, as condições que lhes estão a ser apresentadas pelo governo possam coincidir com aquilo que investiram. Se isso funcionar perfeito. Vai ser significativo e vai resolver o problema? Não. Essa será a medida que menos nos impacta, e quem quiser sair, que saia", sugere Nuno Trigo que se assume "incrédulo" com a posição do governo e acredita que o AL está a ser "um bode expiatório para a falta de políticas de habitação".
"Não se consegue compreender que um pacote de medidas desta magnitude seja anunciado sem antes se ter falado com as associações, sem se ter tentado chegar a um equilíbrio", lamenta. O dirigente alerta ainda que o travão do governo irá colocar em causa a toda atividade turística do país. "Sendo o turismo a grande mola de crescimento da economia, se se vai matar o AL, coloca-se em causa todos os objetivos do setor e esse tem de ser um ponto fulcral", acredita. O responsável da ALEP diz ter ainda esperança que Costa dê um passo atrás e que reformule a medida.
Já o diretor-geral da GuestReady afiança que há vários outros setores atingidos com os estilhaços desta política. "Não acho que tenham sido feitas contas sobre o verdadeiro impacto da medida. Havendo a saída dos alojamentos do mercado, o país não terá capacidade para dar resposta à procura de visitantes, e por isso veremos esse número reduzir-se, o que irá afetar todas as atividades e empregos associados ao turismo. Estamos a falar de prestadores de serviços, de lavandarias, de limpeza, de manutenção, mas também de restaurantes, cafés, do comércio local, dos guias turísticos, dos ubers e taxistas", enumera.
"Os milhares de pessoas que sobrevivem do AL terão de procurar emprego noutras indústrias, e não deverá ser fácil ao país dar uma resposta a esse tipo de crise nesta altura", antecipa Rui Silva.
Fonte: Diário de Notícias
Foto: Orlando Almeida