Juízes alertam Governo: é “previsível a ruptura” no sector da Justiça
Sindicatos que representam juízes e magistrados pedem reformas urgentes no sector da Justiça e lamentam inércia do ministério tutelado por Catarina Sarmento e Castro.
A Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP), o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) e a Associação de Juízas Portuguesas (AJP) apelam ao Governo para avançar com reformas urgentes no sector, a propósito da abertura do Ano Judicial, marcada para terça-feira no Supremo Tribunal de Justiça.
Em declarações à Lusa, o presidente da ASJP, Manuel Soares, lamenta a ideia de que "os anos vão passando e as coisas vão ficando mais ou menos na mesma", e chega a questionar se o Governo vê ou não uma crise na Justiça, criticando a falta de "energia, acção ou projecto" do ministério tutelado por Catarina Sarmento e Castro.
Manuel Soares admite que a aposta do Ministério da Justiça na digitalização e na utilização da inteligência artificial, consubstanciada com mais de 200 milhões de euros de investimento, "é importante", mas ressalva que isso não resolve os principais problemas desta área. No seu entender, estão em causa os tribunais administrativos e fiscais, os processos-crimes complexos de criminalidade económico-financeira, o custo do acesso à justiça e as arbitragens.
"Isto não é ciência espacial, é apenas introduzir modificações na lei que permitam que os obstáculos que estão a emperrar o sistema sejam removidos. Precisamos de andar quantos anos a falar nisto?", questiona ainda Manuel Soares, sublinhando que os maiores problemas estão mais do que identificados.
Também o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), Adão Carvalho, aponta a falta de meios do Ministério Público (MP), deficitárias condições de trabalho e dificuldades de recrutamento de novos magistrados entre as muitas preocupações e carências que continuam a subsistir no sistema judiciário.
"Os últimos concursos de ingresso no Centro de Estudos Judiciários têm evidenciado uma acentuada tendência decrescente do número de candidatos, que no último concurso não ultrapassaram os 500. A qualidade dos candidatos é cada vez menor, e começa a ser frequente não se conseguirem preencher todas as vagas", relembrou Adão Carvalho.
Para o presidente do SMMP, trata-se de um "problema de base" que tem de ser "rapidamente solucionado", sob pena de comprometer a capacidade de resposta do sistema de justiça e "a necessária e exigida qualidade dos magistrados" do MP, num quadro já deficitário.
A este propósito, observou que nas medidas previstas no relatório que acompanhou o Orçamento do Estado para 2023, "nem uma única linha foi dedicada ao reforço dos meios do MP". "Qual a visão da actual ministra da Justiça sobre o Ministério Público? Vai reforçar os meios do MP e pugnar por uma cada vez maior autonomia financeira desta magistratura em relação ao Executivo ou, pelo contrário, vai continuar uma política de desinvestimento e condicionamento da acção do MP?", questionou.
Além da ASJP e do SMMP, também a Associação de Juízas Portuguesas (AJP) expressou a sua preocupação com o sector. Apesar de reconhecer uma evolução na eficiência da administração da justiça, a AJP sustenta que tal se deve "única e exclusivamente pela dedicação constante e pelo sentido de responsabilidade de oficiais e técnicos superiores de justiça, magistrados do MP e magistrados judiciais".
A instituição presidida pela juíza Paula Ferreira Pinto alertou para a "gritante falta de recursos humanos" por culpa da ausência de renovação das carreiras. Sem deixar de apontar uma desmotivação "crescente" entre os profissionais, lança igualmente um aviso para o futuro próximo do sector.
Paula Ferreira Pinto fez ainda questão de referir a "degradação dos espaços físicos dos tribunais". Como descrito por Adão Carvalho, referindo-se às instalações do Ministério Público, "as condições de trabalho do MP são deficitárias, sem salas próprias para a realização de diligências e sem equipamentos de videoconferência e gravação de voz e imagem".
"Mantendo-se a situação presente, perante o aumento geral da litigiosidade associado a períodos de crise económica e social como aquele que atravessamos, e sem básicas e dignas condições de trabalho asseguradas, mais do que provável, é previsível a ruptura dos serviços da administração da justiça", conclui a AJP.
A cerimónia de abertura do ano judicial está agendada para terça-feira, pelas 15h, no Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa.
Fonte: Público