Autoridade da Concorrência tem "muito para investigar" mas está limitada pela obtenção de provas digitais

Autoridade da Concorrência (AdC) recebe cerca de 500 queixas por ano, mas não pode investigar todas. Regulador recebeu em coimas mais de 22 milhões nos últimos cinco anos, um valor que pode subir se ganhar os processo na Justiça

"Há muito para investigar", reconheceu esta terça-feira, no Parlamento, a presidente da Autoridade da Concorrência (AdC), onde adiantou aos deputados que recebe cerca de 500 queixas por ano, admitindo porém que não tem capacidade para se debruçar sobre todas, até porque só tem 90 pessoas. E alertou para a necessidade de alterar a lei por forma a clarificar o uso do meio de prova da correspondência digital pela AdC.

"Investigar práticas de abuso de concorrência sem acesso à prova vai ser mais difícil", avisou a presidente da AdC, que não viu aprovadas as recomendações que fez à Assembleia da República nesta matéria.

Margarida Matos Rosa avançou ainda que as coimas recebidas efetivamente pela AdC nos últimos cinco anos ascendem a 22,7 milhões de euros. O valor das coimas que a Concorrência aplicou foi muito superior, mas há processos em correm em tribunal.

"Relativamente às coimas recebidas entre 2017 e 2022, à data de 15 de julho, foram recebidos efetivamente 22,7 milhões de euros nestes últimos cinco anos", afirmou a presidente da AdC.

"Não é assim tão inconsequente", salientou. E esclareceu: "Obviamente o que foi aplicado é bastante mais e como disse, por serem valores elevados, também é mais litigado". Mas afirmou a taxa de sucesso da AdC em Tribunal, nos casos litigados, é superior a 85% nos últimos anos, nomeadamente na questão de substância.

Margarida Matos Rosa salientou que atualmente aquele montante é repartido, entre a Concorrência e o Estado: 40% para a AdC e 60% para os cofres do Estado. Com a alteração prevista, na sequência da transposição da diretiva europeia conhecida como ECN+, passará a reverter para o Estado 100% da coima. Margarida Matos Rosa sublinhou que a Concorrência nunca contou com este valor no seu orçamento.

ALTERAR A LEI FACE À OBTENÇÃO DE MEIOS DE PROVA ERA IMPORTANTE, MAS NÃO VAI ACONTECER
A AdC defendeu uma revisão da lei da Concorrência e fez algumas propostas de alteração, nomeadamente em relação aos meios de prova, cada vez mais digitais e cujo acesso hoje é ainda vedado ao supervisor. A lei da Concorrência em Portugal permite "fazer muita coisa", mas "já tem 10 anos", afirmou Margarida Matos Rosa. E "há situações que já não estão contempladas, não estão claras na lei e que são muito litigadas depois em tribunal, nomeadamente as questões dos meios de prova", explicou.

Atualmente as notas em caderno passaram para o 'email' e deste para uma "série de suportes em digital e, se nós não tivermos confirmação em tribunal ou previsto na lei de maneira clara que podemos investigar esses meios de suporte, é muito difícil fazer uma investigação que depois venha a ser confirmada em tribunal", alertou Margarida Matos Rosa.

"Por vezes até podemos nem sequer ter autorização para fazer essa investigação por parte do Ministério Público quando pedimos um mandado de busca. Portanto, é muito importante que isto esteja claro na lei porque se não podemos ser confrontados com muitas dificuldades que até aqui não estavam a surgir tanto", mas que tem a ver com a evolução dos meios de suporte e de prova, adiantou.

BLOCO DE ESQUERDA ELOGIA TRABALHO E LAMENTA CHUMBOS
Entretanto, na sua intervenção, a deputada do Bloco de Esquerda (BE), Mariana Mortágua, sublinhou a importância dos meios de prova, referindo que o partido levou "a sério as sugestões da Autoridade da Concorrência de alteração à proposta de lei" que transpõe a diretiva.

"Devo informar-vos que nenhuma delas foi aprovada" nas votações que hoje decorreram, informou a deputada bloquista, já que a AdC não tinha conhecimento do resultado. Maria Mortágua elogiou o trabalho da AdC.

"Informo-vos então que muito poucas das sugestões da Autoridade da Concorrência, tirando a substituição da entidade por empresas ou conjunto de empresas e uma questão de autonomia" da AdC, que tenham sido aprovadas, "sobretudo nesta questão dos meios de prova", referiu.

Em resposta, Margarida Matos Rosa afirmou: "Não posso deixar de saudar a proposta do Bloco de Esquerda relativamente à transposição da diretiva; vou ser muito impopular aqui neste grupo, mas, de facto, percebeu bem as dificuldades com que nos vamos deparar" relativamente aos meios de prova.

"Portanto, saúdo, agradeço, e faremos o possível com a lei que vamos ter", acrescentou a presidente da AdC, sorrindo, referindo que "não vai ser perfeito" e que poderia "ser melhor".

A AdC vai continuar a trabalhar na investigação das práticas restritivas da concorrência "do melhor modo possível", asseverou.

"Peço desculpa, é um desabafo, mas nós passamos muito tempo a litigar em tribunal estas questões e sem acesso à prova vai ser mais difícil", lamentou.

Fonte: Expresso
Foto: Tiago Petinga/Lusa