Medidas do Governo para a justiça sabem a pouco
Vagos e nalguns casos votados ao insucesso. É assim que alguns protagonistas do sector avaliam os planos do Governo para agilizar a justiça económica. Bastonário dos advogados foi recebido pelo Presidente da República.
As medidas anunciadas pelo Governo para a justiça no âmbito do Plano de Estabilização Económica e Social sabem a pouco, dizem alguns dos protagonistas do sector.
Está prevista a criação de um regime excepcional da redução de custas judiciais se as partes envolvidas nos litígios puserem um ponto final nas acções em tribunal “por acordo, transacção ou desistência”. Por outro lado, o executivo promete reforçar os quadros de pessoal dos tribunais do comércio e do trabalho, dada a previsível avalanche de novos processos motivados pela pandemia, relacionados com despedimentos e insolvências.
O primeiro-ministro António Costa falou ainda na criação de um mecanismo extrajudicial de resolução de conflitos resultantes do sobreendividamento. A quarta e última medida anunciada tem por objectivo aumentar a eficiência dos tribunais administrativos e fiscais, através de um aumento da sua especialização, por um lado, e, por outro, do aperfeiçoamento da tramitação electrónica dos processos deste sector da justiça.
“Está certo mas é pouco”, avalia o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Manuel Ramos Soares. “Nos tribunais administrativos devia haver uma forma de processo mais simplificada para tratar dos casos repetitivos e simples, como por exemplo, a cobranças de portagens”, preconiza este dirigente, explicando que a associação já propôs isso ao Governo mais do que uma vez. “Sem isso não acredito que haja melhorias sensíveis no curto prazo”, acrescenta.
Para o magistrado, era também importante que fosse facilitado o acesso ao apoio judiciário: “Quem perdeu rendimentos por causa da crise e for obrigado a pôr acções em tribunal terá, com a lei actual, a situação muito dificultada”, por causa dos custos que implica desencadear um processo na justiça. Por último, Manuel Ramos Soares subscreve o reforço dos quadros dos tribunais do comércio e do trabalho: “Está certo. Devia fazer-se o mesmo quanto aos administrativos.”
Também o presidente do Sindicato de Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas, considera o pacote anunciado para o sector demasiado magro e genérico, ficando-se por saber em que consistem ao certo algumas das medidas. “Parece-me muito pouco face aos desafios que se avizinham. Num momento em que se deveriam envolver todos os parceiros na busca das melhores soluções o Ministério da Justiça aposta numa política de isolamento”, comenta, numa referência ao facto de os protagonistas do sector não terem sido ouvidos no âmbito do plano. “É como as medidas para melhorar o combate à corrupção, que depois não se reflectem na distribuição de verbas do Orçamento de Estado”, compara.
Já o bastonário dos advogados, Menezes Leitão, lamenta que o Governo continue a recusar-se a conceder aos advogados os mesmos apoios que está a dar aos restantes trabalhadores independentes cujos rendimentos foram seriamente afectados pela pandemia. O advogado reuniu-se esta quinta-feira com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, para o sensibilizar para o problema. “Disse-nos que iria ver o que podia fazer”, conta.
O bastonário teme que a redução ou isenção do pagamento por conta previsto no plano do Governo não sejam extensíveis à classe. Trata-se de um adiantamento do pagamento do IRC/IRS exigido às empresas e aos trabalhadores independentes, calculado com base nos lucros do ano anterior. Menezes Leitão não crê no sucesso de parte das medidas agora anunciadas, explicando que as tentativas de fazer baixar a litigância por via da redução das custas judiciais em caso de desistência tem sido um mecanismo já usado no passado, mas que nunca cativou muita gente. E aplica um raciocínio idêntico no que respeita à resolução dos casos de endividamento fora dos tribunais: “Estes processos acabam normalmente em insolvência.”
E embora elogie o reforço do quadro de pessoal dos tribunais do comércio e do trabalho, o bastonário deixa uma dúvida no ar: “Espero que isso não implique desguarnecer de pessoal outros sectores da justiça.” António Ventinhas também se mostra preocupado neste particular, recordando que um magistrado demora três anos a formar. “Havia outras medidas mais importantes para tomar”, observa Menezes Leitão. “Tudo isto é muito vago, e não vejo qual poderá ser o seu impacto.”
Fonte: Público