António Costa: limitações à circulação serão para “manter”

António Costa também não põe de parte que as medidas sejam levantadas de acordo com as assimetrias do país: medidas diferentes para regiões diferentes. Ou até para populações diferentes: os mais velhos poderão ter de ficar mais tempo em casa.

António Costa considerou que Portugal ainda “não entrou na fase do declínio da pandemia”, mas “já chegou a uma fase em que se começou a debater o momento e a estratégia” a seguir. Apesar disso, as restrições à circulação da população devem manter-se durante mais tempo, avisou em entrevista à Rádio Observador nesta terça-feira.

O balanço das medidas excepcionais adoptadas para o período da Páscoa é “essencialmente positivo” porque as pessoas “têm sido muito conscientes” e perceberam “que o melhor apoio que podem dar” ao SNS é “manterem-se isoladas” e distanciadas socialmente. Mas, sem uma vacina contra a covid-19 à vista, a única certeza do primeiro-ministro é que “hoje ainda é cedo” para levantar a generalidade das medidas impostas pelo estado de emergência. “Quando começarmos a retirá-las, o vírus ainda não terá desaparecido”, afirmou.

Se as medidas impostas pelo estado de emergência forem levantadas “na sexta-feira” ou “daqui a um mês”, sabe-se de antemão que “o contágio vai voltar a aumentar”. Por isso, o processo deve ser sempre gradual e progressivo.

“Não podemos levantar medidas enquanto o risco de contágio não tiver sido controlado”, explica o primeiro-ministro. “Os cientistas ainda não sabem quando lá chegaremos.”

O que se sabe até agora é que o país se afastou “do crescimento exponencial” e estará num planalto, mas os números ainda variam muito, pelo que é prematuro fazer análises. “As pessoas vão elas próprias aligeirando defesas” e, quando isso acontecer, pode “começar a correr mal”, avalia.

Mais velhos podem ficar em casa mais tempo
Questionado sobre que medidas serão levantadas na sexta-feira, António Costa foi evasivo, mas acabou por anunciar que provavelmente “serão eliminadas” algumas relacionadas com os direitos colectivos dos trabalhadores (sem se referir concretamente a nenhuma), mas que não antevê “que vá existir qualquer alteração” às medidas relacionadas com as limitações de circulação.

António Costa também não põe de parte que as medidas sejam levantadas de acordo com as assimetrias do país: medidas diferentes para regiões diferentes — em suma, um país a várias velocidades. Ou até para populações diferentes. A ideia de fazer com que os mais idosos fiquem em casa mais tempo não foi afastada ainda, porque há o “dever de protecção especial” desta população.

“Devemos sempre procurar impor o menor número de restrições possível”, disse António Costa. Mas, de facto, as pessoas mais velhas são mais “frágeis” e sofrem as consequências “mais graves da doença”, lembrou. “O vírus não anda sozinho, somos nós que o transportamos”, e “quando dizemos às crianças para não visitarem os avós é para os proteger”.

Regresso às aulas presenciais será “progressivo"
O regresso às aulas será sempre “gradual e progressivo”, até porque uma possível vacina só estará pronta “no final do ano lectivo”. Apesar disso, o primeiro-ministro aponta o dia 4 de Maio como a data a partir da qual seria desejável um regresso “para recuperar semanas sem aulas presenciais”.

Assinalando que a escola “é um local que ajuda a combater as assimetrias”, António Costa lembrou que será lançado um plano para garantir o acesso universal à Internet e a equipamentos informáticos já no próximo ano lectivo — um “investimento que seria sempre necessário fazer”, avalia.

“Os professores deram uma prova extraordinária de capacidade de adaptação. Em 15 dias vimos um avanço na literacia digital que não seria possível se [fosse] programada”, assinalou o primeiro-ministro. “Seja por via digital, do telemóvel, do telefone ou até do correio”, os professores e os directores de escola deram provas de adaptação, elogiou.


Abril será sempre “o mês mais difícil"
“Temos sido parcos na limitação das liberdades individuais no estado de emergência”, afirmou o primeiro-ministro, comparando Portugal a outros países que adoptaram medidas bem mais radicais. Não foi necessário usar a força para “obrigar ninguém a ir trabalhar”, ilustrou o primeiro-ministro ao longo da entrevista.

“Haverá com certeza” pessoas que não respeitam as medidas de confinamento voluntário, mas António Costa considera que, “se o país não tivesse um excessivo gosto pela autoflagelação, deveria ser um motivo de orgulho” a autodisciplina demonstrada. “Os portugueses estão fartos, mas agora percebemos que não podemos desistir”, afirma.

“O mês de Abril é o mais difícil” e os efeitos económicos começarão a “sentir-se mais”, mas “é aqui que temos de mostrar maior resiliência”.

“Pode não haver” condições para aumentar salários da função pública em 2021
No período pós-confinamento, fica garantido que não haverá cortes nos salários, pensões e aumentos de impostos? António Costa mostra-se cauteloso, até porque o “grau de imprevisibilidade” é “muito grande”, mas afirma que “tudo o que sejam medidas que asfixiem os agentes económicos serão más receitas para o futuro”. Por isso, elogia o conjunto de linhas de financiamento anunciadas pelo Eurogrupo para que “os Estados se possam financiar sem o aumento de impostos ou cortes”.

É fundamental garantir que a economia se consiga relançar depois da crise e para isso é “fundamental evitar destruir empresas e empregos”. “Se começarmos a cortar rendimentos, os restaurantes reabrem, mas podem não ter clientes.”

Já sobre o aumento dos salários da função pública, prometido para 2021, o primeiro-ministro afirma que ainda é cedo para saber se vai mesmo acontecer.

“Seguramente antes do Orçamento do Estado para 2021 teremos de discutir um Orçamento Suplementar para 2020 que incorpore o aumento brutal da despesa que resultou dos investimentos no SNS e nos custos de medidas sociais, como as de apoio aos rendimentos e ao emprego.”

Por isso, “pode não haver condições para aumentar salários da função pública como pode ser que haja condições”. António Costa não se compromete.

Ainda esta manhã e tarde, o primeiro-ministro vai reunir-se com especialistas e, tomando também em conta o que diz a União Europeia sobre o assunto, irá tomar as decisões económicas com base nas ferramentas que tiver ao seu dispor.

“Não deixem de pensar nas férias de Verão, mas esperem algumas semanas”
António Costa não quer que se rasguem já os planos para as férias, mas pede aos portugueses que aguardem mais umas semanas. E aconselha-os a escolherem Portugal como destino turístico.

Seria danoso “para a economia portuguesa, e em particular para o turismo, um Verão sem condições de funcionamento mínimo”, afirma. “Quero crer que no Verão a situação estará suficientemente controlada para poder gozar as férias o melhor possível.”

“O meu conselho é tirarem férias cá dentro”, diz António Costa. “Não creio que a primeira coisa que as pessoas vão fazer é marcar férias em locais distantes com a possibilidade de serem surpreendidas com o encerramento de fronteiras.”

Planos para novo aeroporto do Montijo mantêm-se
Acerca do novo aeroporto do Montijo, Costa antevê uma quebra na procura no turismo, mas assume que “não compromete o cenário de desenvolvimento de projectos como o do aeroporto internacional, que será sempre necessário”. Este não é “o momento de desinvestir, é de investir”, e os compromissos celebrados para a construção da expansão do aeroporto da Portela no Montijo são para manter.

“Têm de ser criadas condições adicionais” para que o investimento no turismo pós-crise “seja possível”. Haverá uma “quebra na aviação”, mas será “absorvida pela expansão da Portela” e consequente “diminuição do caos” que aí se vivia. Com a crise “ganhamos tempo relativamente ao atraso que tínhamos”.

Questionado sobre a estratégia para a TAP, António Costa não exclui a possibilidade de ser nacionalizada “se se revelar necessário” e diz sem rodeios que é uma empresa “estratégica para o país”. “Quando os portugueses estiveram isolados [em várias partes do mundo, quando começaram a ser encerradas fronteiras] foi a TAP que os foi lá buscar. Quando é preciso montar uma ponte aérea para ir buscar materiais médicos vindos da China, é com a TAP que temos contado.”

Fonte: Público