Falta de recursos humanos explica lentidão da Justiça nos casos de corrupção, diz PGR
Na abertura do ano judicial, Lucília Gago afirmou que a principal causa da demora na conclusão das investigações “radica muito singelamente na falta de recursos”.
A procuradora-geral da República, Lucília Gago, destacou, na abertura do ano judicial, a aposta no combate à corrupção, sublinhando que este ano, já em Março, os magistrados vão receber formação, que se vai prolongar por dois anos, sobre recuperação de activos. Mas o problema no combate a este tipo de “criminalidade especializada, complexa e essencialmente focada no lucro” continua a residir na falta de recursos.
“A dimensão patrimonial do crime vem merecendo por parte do Ministério Público (MP) uma particular atenção, encarando como prioritário o combate ao branqueamento de capitais em conjugação com medidas eficazes de confisco de vantagens, mediante as quais se visa impedir que os benefícios económicos originados pela actividade criminosa sejam camuflados e livremente usufruídos, procedendo à sua eliminação”, afirmou Lucília Gago.
Para a procuradora-geral da República, “a sofisticação dos meios de que a criminalidade económico-financeira se socorre e a danosidade social que provoca, atentos os elevados proventos que gera no património dos seus agentes impõe que as sociedades hodiernas com ela não contemplem nem permitam que se instale e permaneça como que agarrada à pele do poder político, económico e social, com ele convivendo paredes-meias e exercendo uma influência corrosiva em todo o tecido social”.
No entanto, Lucília Gago sublinha a necessidade de um reforço de meios humanos e de equipamentos. “A principal causa da demora na conclusão das investigações radica muito singelamente na falta de recursos materiais e humanos alocados às complexas investigações abertas que exigem especialização e aturado esforço individual e colectivo”, argumentou.
Lucília Gago relembra mesmo que o novo Estatuto, não tendo representado uma radical mudança na orgânica, nem também do ponto de vista conceptual, obriga na verdade a múltiplos ajustamentos, inclusive ao nível logístico, com significativo impacto, colocando desafios de relevo a uma magistratura em que a falta de meios é recorrente. “Os meios humanos não se mostram cabalmente providos, circunstância que coloca dificuldades acrescidas na gestão desses recursos e nas opções estratégicas”, disse.
A procuradora-geral da República fez ainda uma abordagem ao problema da delinquência juvenil, sobretudo no que diz respeito aos crimes praticados por jovens de idade inferior a 16 anos. “Mantemos o entendimento de ser fulcral melhorar a abordagem de fenómenos de violência juvenil, de natureza individual ou grupal, em especial os ocorridos em meio escolar, em contexto de acolhimento residencial e também os praticados em ambiente digital, por representarem agressão a bens jurídicos indissociáveis dos mais estruturantes alicerces da vida em sociedade”, afirmou Lucília Gago. “Uma abordagem frouxa e desvalorizante da expressão ou significado dos comportamentos desviantes integradores de ilícitos protagonizados por jovens de idade inferior a 16 anos” vem retirar a capacidade de intervenção do sistema de justiça juvenil.
Lucília Gago não fugiu à polémica gerada pelo processo de Tancos no que diz respeito à obrigação de os procuradores do Ministério Público obedecerem ordens dos seus superiores hierárquicos. Os titulares do inquérito do roubo do armamento queriam interrogar o primeiro-ministro e o Presidente da República na qualidade de testemunhas, mas o director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal entendeu que essa diligência não era necessária ao apuramento da verdade e impediu-o, respaldado por Lucília Gago. Neste momento espera-se que o conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República se pronuncie de forma definitiva sobre este tipo de diferendos.
Sem concretizar, a procuradora-geral da República aludiu ao surgimento de “insondáveis protagonismos e indizíveis interesses” nesta matéria, associados a “opinion makers que emitem juízos implacáveis” sobre a intervenção dos magistrados nos processos mais mediáticos. E admitiu que a tese que privilegia a autonomia de cada magistrado em detrimento do espírito de corpo único do Ministério Público está a ganhar notoriedade.
“É chegado o momento da clarificação”, declarou a magistrada. “E, qualquer que seja o seu sentido, da extracção das devidas consequências.” Desta definição, avisou, depende o futuro modelo de intervenção e responsabilização dos magistrados, quer subordinados, quer superiores hierárquicos. “E, em última análise, o futuro desta magistratura”, concluiu Lucília Gago.
Fonte: Público