Corrupção: Governo quer facilitar denúncia premiada e negociação de penas

Esta segunda-feira assinala-se o dia Internacional de Combate à Corrupção. Governo admite ir além do seu programa e avançar com um conjunto de medidas que facilitam a investigação e o julgamento do crime. No final de 2018 havia 121 pessoas em julgamento e 20 presas

O Governo vai chamar os principais atores da Justiça a participarem na definição de uma estratégia nacional de combate à corrupção. Os prazos para mostrar resultados são curtos (a expectativa é ter conclusões já em abril) mas as reuniões já contarão com um guião, onde, às medidas previstas no programa do Governo, se juntam mais quatro novas propostas: facilitar a denúncia premiada, permitir a negociação de sentenças em fase de julgamento, evitar a constituição de mega-processos e assegurar que os juízes que apreciam estes casos têm o mínimo de experiência na matéria.

Para já, as ideias são apenas isso – propostas para serem amadurecidas no seio do grupo de trabalho anunciado na semana passada – mas representam um passo em frente em relação ao programa de Governo, onde a aposta recaía sobretudo em medidas preventivas e de simplificação administrativa.

“Quebrar pactos de silêncio”

Uma das alterações que poderá sair da “estratégia nacional de combate à corrupção” passa por dar vida à colaboração premiada, uma figura que já existe no Código Penal mas cuja eficácia tem esbarrado nos requisitos e na falta de garantias.

Hoje em dia a lei já admite a dispensa de pena para quem (corruptor ou corrompido) denuncie o crime às autoridades, mas exige-se que a denúncia seja feita no prazo de 30 dias após o delito. A lei também admite a atenuação da pena, desde que, até ao fim da audiência de julgamento em primeira instância, o denunciante colabore decisivamente para a obtenção das provas, o que fica sujeito à apreciação do juiz. Tudo exigências têm sido consideradas demasiado restritivas e fazem da colaboração premiada letra morta, ao contrário do que acontece por exemplo no tráfico de estupefacientes.

Para contornar o problema e ajudar a “quebrar os pactos de silêncio” neste tipo de crimes, fonte oficial do Ministério da Justiça admite atuar em duas frentes: por um lado, alargando ou até removendo o prazo para a auto-denúncia, e, por outro, dando, à partida, garantias ao denunciante de que beneficiária de algum tipo de atenuação de pena.

Uma segunda alteração passa por retocar as regras de conexão de processos para evitar que casos como os da Operação Marquês ou do Universo Espírito Santo se enovelem, transformando-se em mega-processos sem fim à vista.

No Ministério da Justiça acredita-se que a lei não obriga os investigadores a ligar todos os factos descobertos no decurso de uma investigação no mesmo processo, mas, como há magistrados que têm tido esta interpretação, será promovida uma clarificação do Código de Processo Penal para arrumar de vez com as divergências.

“Criatividade” e “arrojo”

Na fase de julgamento, o Governo admite também usar a “criatividade” para aproximar-se das sugestões de algumas associações cívicas e da própria OCDE, quando reclamam que se criem tribunais especializados para julgar crimes de alta complexidade, como os económico-financeiros.

Em Portugal os tribunais especializados por tipo de crime são proibidos pela Constituição, em jeito de condenação dos tribunais plenários que julgavam crimes contra a ditadura, mas fonte oficial do Ministério da Justiça admite que o impedimento possa ser contornado através da atribuição dos processos ao mesmo juízo. O expediente exige que os juízos vão rodando, de tempos a tempos, mas garante que os magistrados que pegam nos casos têm o mínimo de experiência na área da corrupção.

Uma quarta frente onde se procuram soluções “arrojadas” é a dos acordos sobre a sentença. Hoje em dia, no decurso de um inquérito, os procuradores podem decidir suspender provisoriamente a pena caso os arguidos compensem o Estado pelos danos causados, como aconteceu na Operação Furacão onde dezenas de empresas e empresários não foram levados a julgamento e ficaram sem cadastro.

A ideia do Governo é estender esta possibilidade à fase de julgamento, permitindo que, em caso de confissão integral e sem reservas do crime, e uma vez ressarcido o erário público, o juiz possa negociar uma redução de pena. Nestes casos, contudo, e ao contrário do que acontece na fase de inquérito, haveria sempre lugar à aplicação de pena mínima efetiva.

Mostrar vontade política

Ao convocar os agentes da Justiça para a definição de uma estratégia nacional de combate à corrupção o Governo pretende abandonar a posição defensiva em que se encontrava, e que alimentava a ideia de estar refém de algumas investigações embaraçosas para o Partido Socialista, como a das rendas da energia (envolvendo a EDP e o ex-ministro Manuel Pinho) ou a Operação Marquês.

O Ministério da Justiça continua a sublinhar que Portugal dispõe de um bom enquadramento legal e de instrumentos adequados para atacar os crimes económico-financeiros, e insiste que a melhor forma de combater a corrupção é garantir a transparência dos contratos e dos atos públicos e assegurar maior agilidade na prestação de serviços, na senda do que vem a ser feito (ver caixa em baixo). Insiste também que tribunais, Policia Judiciária e Ministério Público viram o número de quadros significativamente reforçados nos últimos anos, a par com o investimento em infra-estruturas. Mas sempre vai reconhecendo que faltou passar uma mensagem articulada que afaste as acusações de falta de vontade política.

MUITOS INQUÉRITOS, POUCAS CONDENAÇÕES
Muitas denúncias, muitos inquéritos, poucas acusações e escassíssimas condenações. Esta é, em pinceladas gerais, a grande conclusão que se retira da estatísticas sobre corrupção em Portugal, que têm origem na Procuradoria Geral da República (PGR) e na Direção-Geral da Politica de Justiça.

Comecemos pelas denúncias. De acordo com a PGR, no ano de 2017/2018 (entre novembro e outubro do ano seguinte), o Ministério Público recebeu 2.578 denúncias na sua pagina eletrónica, num sitio especialmente criado para o efeito. O número cresceu 64% face ao ano imediatamente anterior mas, como nos anos precedentes, a maioria revelou-se infundada. Só 11,3% deram lugar a inquérito. Nesse ano, 2561 denúncias foram arquivadas.

Deixemos as queixas recebidas de cidadãos e passemos a dados mais gerais. Entre 2014 e 2017 foram iniciados 670 inquéritos de corrupção, em média, e, se alargarmos o universo, um ritmo médio de 1855 inquéritos por corrupção e crimes conexos. Em 2018 os números cresceram substancialmente, para 1358 e 3423, respetivamente. Contudo, o número de inquéritos instaurados não parece ter tradução direta em termos de acusações ou condenações.

No ano passado só houve 152 acusações por crimes de corrupção e criminalidade conexa, o equivalente a 6% dos processos findos (menos do que nos anos anteriores, em que as taxas de acusação rondaram os 13% a 15%).

Nos tribunais, os números voltam a afunilar, e muito. No final de 2018 havia 121 arguidos em julgamento nos tribunas de primeira instância e 73 pessoas condenadas pelo rime de corrupção, na primeira instância (o que significa que as sentenças podem não ser definitivas), um número que compara com 117 e, 2017 e 55 em 2016.

Presas crime de corrupção em Portugal, havia no ano passado 20 pessoas, um número que não tem oscilado significativamente nos últimos anos (eram 27 em 2017 e 15 em 2016).

ALGUMAS MEDIDAS PREVISTAS NO PROGRAMA DO GOVERNO
- Elaborar um relatório nacional anticorrupção

- Será obrigatório fazer o registo de qualquer entidade externa que intervenha na elaboração de legislação, desde a conceção até à sua aprovação final. É o que é designado de “pegada legislativa”

- As decisões públicas que concedam vantagens financeiras acima de um determinado patamar terão de ser aprovadas por pelo menos 2 responsáveis ou confirmadas por uma entidade superior, e terão ainda de ser publicitadas online, para que possam ser escrutinadas

- Criar uma pena acessória para os titulares de Argos políticos condenados por corrupção, que poderá passar por impedi-los de exercer novos cargos por um período até 10 anos

- Criar uma pena acessória para gerentes e administradores de sociedades que tenham sido condenados por crimes de corrupção

- Divulgar os casos de corrupção que deram origem a condenações transitadas em julgado (sem identificar os autores)

- Continuar a simplificar o acesso aos serviços públicos, publicitando o custo dos diversos atos

- Obrigar todas as entidades públicas a terem normas de controlo interno para garantir a imparcialidade e legalidade dos contratos

- Melhorar os processos de contratação pública

- Modernizar o registo de interesses dos titulais de cargos políticos e titulares de altos cargos públicos

- Obrigar as empresas que se candidatam a concursos públicos a terem planos de prevenção de riscos de corrupção.

Fonte: Expresso