Inspeção-Geral arrasa controlo de creches e lares pela Segurança Social
Auditorias acusam Instituto da Segurança Social de conhecer lares e creches sobrelotadas ou sem licença mas não fazer nada. Instituto responde que praticamente todos os problemas já foram resolvidos.
As últimas auditorias concluídas pela Inspeção-Geral do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social encontraram problemas graves no controlo feito a lares e creches por vários centros distritais do Instituto da Segurança Social.
As falhas são inúmeras e envolvem, por exemplo, creches e lares sobrelotados - casos detetados mas que depois, apesar de serem uma infração muito grave, não dão origem a qualquer processo de contraordenação.
O resumo consultado pela TSF das quatro auditorias da Inspeção-Geral ao sistema de controlo dos lares nos distritos de Beja, Castelo Branco, Guarda e Portalegre, fechadas em 2018 e referentes a práticas até 2016, conclui que as situações encontradas nas ações de acompanhamento técnico que podiam ser infrações muito graves ou graves "não eram, regra geral, objeto de participação ao serviço responsável" para instaurar os processos de contraordenação.
Lares e creches sobrelotadas sem castigo
Sobre as creches, as cinco auditorias ao controlo da Segurança Social, nos mesmos anos, focaram-se nos distritos de Braga, Leira, Santarém, Vila Real e Viseu e as conclusões são semelhantes. "Foram detetadas situações de sobrelotação nas creches visitadas, o que constitui uma contraordenação muito grave, não se tendo verificado diligências dos serviços para regularização das situações".
Indo além da questão da lotação, a Inspeção-Geral acrescenta que "apesar da reiterada verificação de insuficiências, em sede de visitas de acompanhamento, que não foram supridas atempadamente, as instituições não foram sujeitas a qualquer consequência, nomeadamente através da suspensão dos acordos de cooperação celebrados e/ou da aplicação de contraordenações".
Fonte oficial do Instituto de Segurança Social responde à TSF que, entretanto, desde o fecho das várias auditorias, praticamente todas as falhas apontadas estão resolvidas, nomeadamente a abertura de processos de contraordenação quando se detetam situações que o justificam.
Mais de 15 anos há espera de licença, mas a funcionar
Noutra auditoria feita aos processos de licenciamento e de gestão das multas dos estabelecimentos sociais, fechada em novembro de 2017, a que a TSF teve acesso, a Inspeção-Geral também conclui que o centro distrital de Lisboa conhece respostas sociais "em funcionamento, apesar de não se encontrarem devidamente licenciadas, sem que, no entanto, lhes seja aplicada qualquer medida sancionatória".
Em geral, a Inspeção-Geral conclui que há "irregularidades" e uma "insuficiente intervenção do Instituto da Segurança Social junto dos estabelecimentos sociais não licenciados ou com processos de licenciamento em curso", havendo casos de licenciamento pendentes desde 2001.
Só no distrito de Lisboa foram encontrados 60 processos de licenciamento pendentes sem movimentos, nos serviços, ao longo de muitos anos, inclusive, em certos casos, com relatórios de vistoria que anos depois constataram que estes estavam abertos.
Em dois dos casos mais antigos, com processos pendentes desde 2001, só em 2016 os responsáveis foram notificados da intenção de chumbo da licença. No entanto, uma década antes duas vistorias já tinham constatado que os lares, mesmo sem licença, já estavam em funcionamento.
Dezoito anos a funcionar sem licença
A TSF contactou alguns dos lares referidos na auditoria por aguardarem há mais tempo pela licença e vários confirmam que à data de hoje continuam a funcionar sem licença.
Num dos casos mais antigos, um lar que funciona numa vivenda em Cascais e pediu o licenciamento em 2001, a primeira notificação de chumbo desse pedido só foi enviada em 2016. Ao telefone, a responsável, queixando-se da burocracia, explica que continuam abertos, com metade dos idosos que já tiveram, apesar de estar previsto que deverão encerrar em breve. Ou seja, fazendo as contas, estão há 18 anos a funcionar sem licença.
Noutro caso, também no concelho de Cascais, que começou a ser analisado pela Segurança Social em 2002, a responsável também admite que ainda não têm licença, enquanto noutros lares, que também a pediram há mais de uma década, já existe um documento provisório mas falta o definitivo.
O Instituto de Segurança Social responde dizendo que tudo tem sido feito para resolver os casos pendentes, garantindo que já não existem casos tão antigos à espera de resposta. Os casos pendentes estarão dependentes de respostas dos próprios lares ou de documentos de entidades como câmaras municipais ou proteção civil.
"Dá jeito à Segurança Social ignorar o problema"
O presidente da Associação de Lares e Casas de Repouso de Idosos, João Ferreira de Almeida, confirma que ainda hoje há lares que aguardam há mais de uma década para concluir o processo de licenciamento porque o processo se arrasta atualmente, sobretudo, nas câmaras municipais, só chegando depois dessa fase à Segurança Social, onde o processo está, admite, mais rápido.
Acusando a fiscalização da Segurança Social de ser débil, João Ferreira de Almeida adianta, no entanto, que conhece vários lares sem licença que estão a funcionar sem que se faça nada.
O representante dos lares privados diz que "dá jeito à Segurança Social ignorar o problema". "À partida os centros distritais e os serviços regionais de fiscalização fazem por ignorar a existência destas casas, porque se sabem que têm de fazer alguma coisa e isso é muito chato... incomoda muito."
João Ferreira de Almeida conta que a coima por falta de licença são 20 mil euros e afirma que, "à partida, os serviços da Segurança Social fazem por ignorar a existência destas casas", a não ser que exista alguma queixa.
"Se a Segurança Social começar a encerrar casas, arranja um problema muito grande, pois não há onde colocar os idosos e isso subiria muito a despesa, pois os idosos que estão em casas clandestinas não são subsidiados", afirma o presidente da associação de lares.
Multas nunca cobradas
Finalmente, a mesma auditoria da Inspeção-Geral concluiu, nos três centros distritais avaliados (Lisboa, Santarém e Évora), que mesmo depois de abertos os processos de contraordenação com frequência não deram em nada: existiram 441 prescrições entre 2.275 casos entre 2008 e 2016 (19,4%).
O documento diz que existe uma "ineficácia" na cobrança coerciva de coimas que fez com que não se cobrassem, entre 2013 e 2015, 578 mil euros, apenas nos três centros distritais antes referidos, com o centro distrital de Lisboa a justificar-se com a "insuficiência de recursos humanos e pelo volume de trabalho".
A mesma fonte oficial do Instituto de Segurança Social garante que também este problema foi entretanto resolvido com uma série de medidas que fizeram com que em 2019 já tenham sido tratadas 960 contraordenações, número que em 2014 se ficava pelas 32.
Fonte: TSF