Proteção de dados: clínicas que recusaram prestar cuidados de saúde não violaram direito de acesso dos doentes, diz regulador

Entidade reguladora da saúde considera que “não foram recolhidos indícios de que os prestadores de cuidados de saúde privados em causa estivessem a atuar (...) na qualidade de beneficiários do SNS ou de subsistemas públicos de saúde”. Caso estivessem, teriam sido abertos processos de contraordenação

A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) não encontrou qualquer indício de que a recusa da prestação de cuidados, por parte de quatro unidades de saúde, a doentes que não assinaram declarações de privacidade e proteção de dados viole o direito de acesso dos doentes. Por isso não avançou para contraordenações, limitando-se a emitir instruções para garantir o respeito pela igualdade, evitando a rejeição e discriminação infundada.

Em causa estavam, como o Expresso noticiou em junho, o Hospitalar São Francisco, a Somardental Serviços Policlínicos, a Clidiral — Clínica de Diagnóstico e Radiologia e o Hospital de Esposende — Valentim Ribeiro. As duas primeiras por considerarem que precisam de obter a concordância do doente para tratarem dados no contexto do serviço de saúde prestado, as duas últimas por se recusarem a disponibilizar esses cuidados àqueles que não deram o seu consentimento para tratar outro tipo de dados pessoais.

A ERS recorda que, tal como afirmou na altura a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), o tratamento de dados pessoais é lícito sempre que seja necessário ao diagnóstico médico e prestação de cuidados ou tratamentos de saúde, não sendo necessário o consentimento nesses casos.

Mas concluiu que, “analisados todos os elementos constantes dos autos, não foram recolhidos indícios de que a recusa de prestação de cuidados de saúde, baseada no cumprimento da legislação sobre proteção de dados, tenha violado o direito de acesso à prestação de cuidados de saúde”, lê-se no relatório da ERS onde constam as deliberações, a que o Expresso teve acesso.

Isto porque, segundo explica ao Expresso o regulador, “não foram recolhidos indícios de que os prestadores de cuidados de saúde privados em causa estivessem a atuar, nas situações concretamente analisadas, perante utentes [Serviço Nacional de Saúde] ou de subsistemas públicos de saúde”.

De acordo com o regulador, “a legislação aplicável não impede que um prestador de cuidados de saúde privado solicite o consentimento e/ou uma declaração do utente a atestar que tomou conhecimento das informações elencadas nos artigos 13.º e 14.º do RGPD, como condição para a prestação de cuidados de saúde”. A não ser que este prestador “atue como estabelecimento publicamente financiado ou contratado para a prestação de cuidados no âmbito de sistema ou subsistema público de saúde ou equiparado, nos termos das alíneas a) e b) do artigo 12.º dos Estatutos (por exemplo, quando o utente apresente um P1 ou solicite a prestação de cuidados de saúde na qualidade de utente da ADSE)”.

Caso estas unidades de saúde estivessem a atuar como sistema publicamente financiado ou contratadas nesse âmbito, “as recusas de prestação de ato médico detetadas seriam suscetíveis de violar o direito de acesso daqueles utentes, universal e equitativo, à prestação de cuidados de saúde e teriam sido abertos processos de contraordenação tendentes à aplicação de coima”.

Na verdade, a recusa de prestação de cuidados de saúde a beneficiários do SNS ou de subsistemas públicos de saúde constitui contraordenação punível com coima de 1000 euros a 3740 euros, no caso de pessoas singulares, ou de 1500 a 44891 euros, no caso de pessoas coletivas.

Neste contexto, a ERS optou por emitir instruções às quatro unidades, no sentido de garantir o respeito pelos princípios da igualdade e da não rejeição e discriminação infundada de doentes. Concretamente, instruiu as unidades em questão a adotarem procedimentos internos para implementar o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), sem colocar entraves de acesso a doentes beneficiários do SNS ou de subsistemas públicos de saúde. E pediu ainda para estas emitirem e divulgarem “ordens e orientações claras” que estes procedimentos são “corretamente seguidos e respeitados por todos os profissionais”.

Fonte: Expresso