Simplificar uma carta fez subir em 50% pagamento voluntário de dívidas
Projecto do Ministério da Justiça foi lançado há pouco mais de dois anos nos processos que permitem exigir pagamento de dívidas de pequeno valor, as chamadas injunções. Novo tipo de notificação também fez subir em 160% os pedidos de apoio judiciário nesta área.
Pode simplificar o texto de uma carta ter efeitos significativos na actuação dos seus destinatários? Pode. A prová-lo está o projecto de simplificação das notificações enviadas aos visados nos processos que permitem avançar para a cobrança de dívidas de pequeno valor, as chamadas injunções. A lei não foi alterada, as regras mantiveram-se exactamente as mesmas, mas apenas mudar o texto e a apresentação das notificações recebidas pelos alegados devedores fez com que o pagamento voluntário das dívidas subisse 50%.
Quem o diz é o Ministério da Justiça que garante ter concluído a primeira fase deste projecto “com prata da casa” e a custo zero. As novas citações começaram a ser usadas pelos tribunais em Junho de 2017 e, quase dois anos depois, em Junho deste ano, já tinham sido enviadas mais de 400 mil notificações. “As mudanças realizadas no texto das notificações, mas também na formatação - com o tamanho dos caracteres, espaçamento interpalavras e utilização de negrito e zonas sublinhadas, com uma organização mais lógica -, permitiu um aumento em 50% no pagamento das dívidas após a notificação aos destinatários”, explica o Ministério da Justiça, numa resposta enviada ao PÚBLICO.
Neste tipo de processos, usados em massa pelas empresas de telecomunicações ou de distribuição de energia, é enviada uma carta para a morada da pessoa ou da empresa visada, a informá-la que deve proceder ao pagamento da alegada dívida. Num prazo de 15 dias, o visado é obrigado a pagar ou a apresentar os motivos que explicam por que considera não ter essa obrigação. “A linguagem utilizada [na notificação] era opaca e muitas vezes os destinatários nem conseguiam perceber claramente que órgão judicial tinha emitido o aviso, ou como proceder para liquidar as dívidas, que podem ser resolvidas de forma simplificada no Balcão Nacional das Injunções”, reconhece o Ministério da Justiça.
A secretária de Estado da Justiça, Anabela Pedroso, admite que na área da Justiça a linguagem é tradicionalmente hermética, cheia de termos técnicos e siglas que são difíceis de entender pelos cidadãos. “Sem nunca perdermos a segurança jurídica, temos a obrigação de ser mais pragmáticos e mais simples”, afirma a governante.
O aumento dos pagamentos voluntários não foi o único efeito visível das novas notificações, que levaram igualmente a um aumento de 160% nos pedidos de apoio judiciário, tendo subido em 75% o número de apoios efectivamente concedidos. “A mudança permitiu dar aos cidadãos um melhor conhecimento dos seus direitos, o que fez subir significativamente o recurso ao apoio judiciário”, analisa Anabela Pedroso.
Os bons resultados do projecto e a consciência de que há muito a fazer nesta área fizeram o Ministério da Justiça avançar para uma segunda fase da iniciativa que já se encontra em curso. Em Setembro, deverá nascer uma nova notificação dirigida às testemunhas obrigadas a comparecer em diligências judiciais e um tipo de citação, transversal a várias área do direito, como trabalho, família e menores ou a área cível. A notificação terá um tronco e uma estrutura comum e algumas partes distintas consoantes as especificidades de cada uma das áreas do direito. “O critério que tem sido seguido é o de identificar os modelos que apresentam mais volume de utilização e, por isso, cuja simplificação se traduzirá num maior impacto imediato”, explica o Ministério da Justiça.
Cinco mil formulários
Mas o trabalho está longe de terminar. Um levantamento feito pelo ministério concluiu que as secretarias têm mais de cinco mil modelos de notificações e citações entre as formas de comunicação com os cidadãos e empresas. “Claro que ninguém consegue trabalhar com cinco mil formulários”, reage Anabela Pedroso, que acredita que, na realidade, estas comunicações reduzem-se a 20 ou 30 tipos diferentes, sendo os restantes pequenas variações daqueles. A secretária de Estado da Justiça adianta que os novos formulários serão integrados numa nova versão do sistema informático dos tribunais, o Citius. “Estamos a desenvolver um upgrade do Citius, que terá um interface adaptado aos vários tipos de destinatários. Um só para juízes, outro só para procuradores, etc. Os novos formulários deixarão de ser em Word e passarão a estar incorporados no próprio sistema”, explica Anabela Pedroso. As novas interface deverão entrar em testes em Setembro e o upgrade do Citius deve estar a funcionar em pleno no próximo ano, estima a governante.
Fonte: Público