Carlos Cruz queixa-se ao Tribunal dos Direitos do Homem
Carlos Cruz, condenado no julgamento Casa Pia, apresentou queixa contra o Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, pela forma como foi conduzido o seu processo judicial, nomeadamente por ter estado preso sem conhecer a acusação
A queixa, a que a agência Lusa hoje teve acesso, alega terem sido cometidas violações à Convenção dos Direitos Humanos, já que o ex-apresentador de televisão considera que foi «preso sem saber porquê», sem «direito à presunção de inocência» e sem conhecer sequer a identidade dos queixosos.
O documento, enviado em Agosto para o Tribunal Europeu, argumenta ainda que Carlos Cruz não teve «direito a ser julgado num prazo razoável», e durante a sua prisão preventiva viu negado «acesso aos elementos concretos do processo» que basearam a determinação da medida de coação, «com o fundamento de que o processo estaria em segredo de Justiça».
«Carlos Cruz foi preso preventivamente sem saber quando, onde, com quem, de que modo e sobre quem cometera os crimes por quem estava indiciado. E assim permaneceu até que lhe foi notificada a acusação a 29 de Dezembro de 2003», 10 meses depois de ter ficado preso preventivamente (1 de Fevereiro de 2003).
Na exposição que faz ao Tribunal Europeu, o ex-apresentador alega também que a sua defesa foi «impedida de interrogar cabalmente as testemunhas de acusação», sublinhando, desde o início do processo, ser «necessário conhecer as declarações das vítimas», porque «só esse conhecimento permitiria compreender como foi sendo montada a história depois vertida para a acusação».
Considerando que, «quando a prova da acusação quase exclusivamente se reduz às declarações das vítimas, constituídas assistentes» no processo, a posição de recusa adoptada pela 8ª Vara criminal de Lisboa, e confirmada pela Relação, «consubstancia uma flagrante violação do princípio de um processo equitativo, designadamente no que se refere aos valores do contraditório, da igualdade de armas e das garantias básicas de defesa».
No documento, o ex-apresentador diz que não teve «direito a um efectivo recurso em matéria de facto», «sob pretextos processuais inadmissíveis», uma vez que «a Relação de Lisboa - numa decisão sem precedentes conhecidos – adoptou o entendimento de que a lei processual só admitiria o recurso em matéria de facto se, ponto a ponto, a defesa efectuasse uma correspondência entre factos e meios de prova».
Na quarta situação apontada, Carlos Cruz alega não ter tido «direito à presunção de inocência», num processo em que se diz também vítima e que «nasceu e cresceu na comunicação social».
Na última parte da sua argumentação, o ex-apresentador de televisão queixa-se de «não ter sido julgado num prazo razoável» na primeira instância, lembrando que o julgamento Casa Pia foi o mais longo da Justiça portuguesa, «prolongando-se por quase seis anos, de 25 de Novembro de 2004 a 3 de Setembro de 2010», com quinhentas sessões.
«Tão longa duração é injustificada, revelando uma total incapacidade do Tribunal para centrar o julgamento naquilo que verdadeiramente relevava», afirma, acrescentando ser «particularmente chocante» que, depois das alegações finais, «a sentença tenha demorado 20 meses» e que, «lidos os factos dados como comprovados e a parte decisória (…), a sentença no seu todo só tenha sido entregue aos condenados 10 dias mais tarde».
Carlos Cruz diz também ser «inadmissível» que, cinco anos depois de o julgamento ter começado, «o Tribunal se tenha permitido ir comunicando aos arguidos alterações de facto à matéria da pronúncia».
O apresentado alega que os tribunais portugueses por onde correu o processo «não asseguraram que a causa fosse examinada num prazo razoável, o que constitui uma violação do princípio respectivo consagrado» na Convenção dos Direitos do Homem.
No documento enviado à instância europeia, é referido que «se o Tribunal Constitucional se pronunciar, entretanto, sobre o fundo das questões suscitadas» pela Defesa, em sede de recurso, isso poderá levar «à caducidade da presente queixa, a fim de que se avaliem as consequências dessa pronúncia».
O colectivo de primeira instância, presidido pela juíza Ana Peres, condenou Carlos Cruz e o médico Ferreira Diniz a sete anos de prisão, assim como Carlos Silvino (18 anos), Jorge Ritto (seis anos e oito meses), Hugo Marçal (seis anos e dois meses), Manuel Abrantes (cinco anos e nove meses) e absolveu Gertrudes Nunes, dona da casa de Elvas onde terão ocorrido abusos.
Entretanto, a Relação de Lisboa retirou um ano à pena do apresentador e mandou repetir o julgamento relativamente aos crimes de Elvas, que está em julgamento, com os arguidos Cruz, Silvino, Marçal e Gertrudes Nunes.
Fonte: Sol