Tribunais levam oito anos, em média, a decidir casos de "erros médicos"
O número de casos de "erros médicos" noticiados nos meios de comunicação social portugueses tem vindo a aumentar, sobretudo na última década, e as condenações multiplicaram-se a partir de 2005. Mas a justiça continua a ser muito lenta a decidir: em média, demora quase oito anos até chegar a uma sentença
Estas são algumas das conclusões da tese de mestrado da farmacêutica Lígia Ernesto, que analisou 210 casos noticiados nos meios de comunicação social - incluindo imprensa escrita, televisão e rádio, sites e blogues, entre 1974 e Junho de 2011. Em média, a justiça demorou 7,8 anos a decidir nos 33 casos de "erros médicos" divulgados e em que foi possível identificar a data do acontecimento e da sentença, indica o resumo deste estudo publicado na última edição da Revista Portuguesa de Farmacoterapia.
Apenas dois processos demoraram menos de quatro anos até à decisão final, e, em quatro casos, os envolvidos, vítimas e acusados, tiveram de aguardar mais de 12 anos pela sentença.
A lentidão não surpreende Daniel Gonçalves, presidente da Associação Portuguesa Direito e Medicina, mas preocupa-o. "Tendo em conta a duração dos processos judiciais em Portugal, [a demora] não me choca. Em termos objectivos, porém, acho que oito anos é muito tempo e é preocupante nesta área em particular. Assim, é impossível ter-se justiça", comenta o advogado.
As notícias analisadas por Lígia Ernesto relatavam supostos casos de erros, negligência médica e eventos adversos. Por uma questão de simplificação, a investigadora decidiu designar genericamente todas estas situações como "erros médicos", apesar das diferenças entre os vários conceitos - por exemplo, a negligência implica violação do dever de zelo ou das regras da profissão.
Os médicos são, naturalmente, o grupo profissional mais visado, seguido do dos directores de unidades de saúde e do dos enfermeiros.
Os erros de diagnóstico e as complicações pós-operatórias constituíram as situações mais frequentes e as áreas clínicas com maior número de casos relatados foram a urgência, a obstetrícia e a cirurgia. "Os dados são comparáveis e concordantes com relatórios oficiais" que têm sido elaborados sobre esta matéria, destaca a autora.
Mais notícias com privados
Foi a partir de 2005 que as condenações por negligência na área da saúde aumentaram, a crer na amostra que serviu de base a esta tese. Se até 2005 foram noticiadas apenas cinco condenações por este motivo, esse número ascendeu a 37, entre 2005 e 30 de Junho de 2011, data da última notícia analisada. Lígia Ernesto avisa, porém, que podem não ter sido identificadas situações ocorridas numa época anterior à utilização da Internet.
O aparecimento regular de casos na imprensa coincide com a criação de dois canais televisivos privados, em 1992 e 1993, e são as unidades de saúde com maior número de atendimentos as mais visadas. É o caso do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, que surge em primeiro lugar no ranking de casos relatados. O facto de determinados hospitais aparecerem mais vezes nas notícias associados a casos de "erros médicos" poderá criar no público "a percepção de que são menos seguros para os doentes, uma vez que esta informação surge descontextualizada do seu elevado número de atendimentos", alerta a farmacêutica.
Sublinhando que a abordagem destes casos se tem "centrado no drama dos doentes e na culpa individual dos profissionais", sendo "subvalorizadas" a complexidade dos erros e a possibilidade de falhas do sistema, Lígia Ernesto defende que os órgãos de comunicação social podiam "ter um papel mais interventivo na promoção de uma cultura de segurança dos doentes". Como? "Alertando para a necessidade de monitorizar a ocorrência de erros como forma de melhorar o sistema."
Com base nos dados num recente estudo da Escola Nacional de Saúde Pública, estima-se que a taxa de erros médicos em Portugal seja de dez por cada cem internamentos hospitalares e, destes, 5% terão consequências "muito graves", que podem mesmo conduzir à morte do doente.
As estimativas foram divulgadas no livro Segurança dos Doentes - Uma Abordagem Prática, da autoria do cirurgião José Fragata. O médico lembra que "é muito menos seguro ir a um hospital do que andar de avião: nos aviões morre um passageiro por cada dez milhões de voos; nos hospitais a relação é de um para 300".
Fonte: Público