Reforma judiciária feita num ano “vai parar” os tribunais

Juizes arrasam reorganização judiciária e garantem que, se a reforma não for faseada, dá-se o “caos” nos tribunais. Magistrados reuniram ontem com a ministra.

Os juízes foram ontem avisar a ministra da Justiça que, se o mapa judiciário for todo implementado em 2013, sem um plano faseado, dá-se “o caos” nos tribunais e o sistema “pára”. O alerta consta do parecer da Associação Sindical dos Juizes (ASJP) à reorganização judiciária, que Mouraz Lopes, presidente da associação, entregou ontem em mãos a Paula Teixeira da Cruz.

Fonte: Económico

No documento, a que o Diário Económico teve acesso, e onde a ASJP arrasa com o novo Mapa Judiciário, os juízes avisam que a reforma deve ser feita até 2015, de forma faseada. Se a reorganização for executada de uma só vez, em 2013, como prevê o Governo e a ‘troika’, os juízes acreditam que o “desgaste” para o sistema judicial será “enorme”, levando a uma desorganização “que demorará anos” a resolver.

Ao Diário Económico, Mouraz Lopes diz mesmo que o “país e o sistema podem parar e que dá-se o caos nos tribunais” (entrevista ao lado). Isto porque, em consequência da reforma – criação de comarcas de nova dimensão e fecho de 54 tribunais – há “centenas de milhares de processos”, funcionários e magistrados que serão reafectados e transferidos.

Consequência? Meses para reorganizar serviço, diligências que não se fazem, não agendamento de julgamentos e processos parados nas secretarias. As pendências no primeiro ano da reforma, dizem desde já os juízes, vão “aumentar mais de 50%”, em contraciclo com o objectivo do Governo e da ‘troika’.

Por isso, os magistrados judiciais propuseram ontem à ministra que a reforma tenha três passos: no primeiro ano, entra em vigor a Lei Orgânica e o modelo de gestão dos tribunais e dá-se formação aos juízes-presidentes dos tribunais; no segundo ano, regulamenta-se o quadro de juízes e funcionários e inicia-se o modelo de redistribuição de processos; e só no terceiro ano é que se efectiva o mapa de competências com a instalação das novas comarcas. Embora o início da reforma se mantenha em 2013, os juizes acabam por propor o adiamento da instalação das novas 20 comarcas (base distrital).

Estatísticas incorrectas e violações da Constituição

Numa análise muito crítica, os juizes contestam o desenho territorial escolhido por Paula Teixeira da Cruz. Dizem que a reforma tem “erros de horizonte e perspectiva”, que “é simplista”, feita “sem maturação e investigação”, assente numa “lógica puramente governamental” e baseada em estatísticas incorrectas, porque tem só em conta os processos entrados e não todos os outros actos que o juiz pratica. Daí que se oponham ao fecho de alguns tribunais (Melgaço, Valpaços, Nelas, Oliveira de Frades e Ansião), critiquem a inclusão de Almada, Barreiro, Seixal, Montijo e Alcochete em Lisboa e defendam a divisão de Aveiro, Setúbal, Braga e Viseu em duas comarcas, como hoje acontece com o Porto e Lisboa.

Os juízes dizem que a possibilidade de transferir juízes sem estarem definidos critérios de preferência viola o princípio constitucional da inamovibilidade dos magistrados e acusam o Governo de, veladamente, querer controlar a gestão dos tribunais, violando a separação de poderes.»

CRÍTICAS DOS JUÍZES

• Desenho territorial e modelo (comarcas com base distrital).

• Planificação da revisão. Juízes querem reforma em três anos.

• Reforma sem consenso alargado, político e com sector da Justiça.

. Ausência de estudo global sobre Contigentação Processual, análise simplista e erros de perspectiva.

• Incompreensível incluir Almada ou Barreiro na Comarca de Lisboa

• ‘Ratio’ estatístico para fechar Melgaço, Valpaços, Nelas ou Oliveira de Fades está incorrecta.

• Estatísticas desactualizadas. Não prevê dados de 2011.

• Não tem em conta próximas alterações processuais.

• Comarcas erradamente dimensionadas.

• Não assegura o cumprimento de princípios constitucionais.

QUATRO PERGUNTAS A…

MOURAZ LOPES – Presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses

“Governo não pode querer controlar gestão do tribunal”

Muito crítico da proposta do Governo, Mouraz Lopes avisa que a reforma judiciária não pode ser cega ao país real. O magistrado quer critérios bem definidos sobre a transferência e acumulação de funções.

- Que preocupações vai manifestar à ministra?

- A reforma não pode ser cega ao país real e tem que se adaptar. Há comarcas que têm que ser divididas em duas, como Setúbal, e há tribunais que não devem fechar. Noutros casos, o Governo não pode criar comarcas enormes, como é a integração de Almada ou Barreiro em Lisboa, senão vamos ter problemas gravíssimos. Isto é um erro crasso. O Governo baseou-se em estatísticas que não são correctas e tem que haver capacidade de ceder à realidade em nome do acesso à Justiça.

- No parecer, põem em causa a constitucionalidade da transferência de juízes…

- Tem a ver com o princípio da inamovibilidade. Têm de ser definidos critérios de preferência e isso não está acautelado, bem como o regime de acumulação de funções. Não pode haver colocação de juizes ‘ad hoc’. Há vários vazios nesta reforma.

- E o modelo de gestão?

- Devia manter-se o modelo definido anteriormente, em que o juiz-presidente tinha todos os poderes de supervisão sobre o administrador judiciário. Agora, introduz-se mecanismos de gestão controlada pelo Ministério ao nível orçamental e financeiro. Estas áreas passam a depender do Ministério e isto é inaceitável, viola o princípio de separação de poderes porque é o Ministério a definir critérios de gestão.

- Querem reforma faseada. Porquê?

- Tem que ser feita com tempo e não apenas com base em critérios eleitorais, porque senão o sistema paralisa. Em quatro meses para o país e o sistema se a reforma for feita de uma só vez. Tem que haver uma dilação. I.D.B.