Médicos dizem ter feito a maior manifestação de sempre
Os médicos dizem ter realizado nesta quarta-feira a maior manifestação de sempre, frente ao Ministério da Saúde, em Lisboa. A PSP estima que o protesto tenha reunido cerca de duas mil pessoas.
A manifestação começou por volta das 15h com duas centenas de pessoas, mas pouco depois a mancha branca, pontuada de amarelo por balões que iriam ser largados no final da concentração, já cobria a maior parte da Avenida João Crisóstomo, em Lisboa, em frente ao edifício do ministério da Saúde.
Durante cerca de 1h30, discursaram os vários dirigentes das estruturas sindicais e de associações de especialidades médicas, dando um claro sinal de união de toda a classe. "Não há dúvidas de que estamos perante a maior manifestação médica jamais realizada no nosso país. Nem no tempo da [ministra da Saúde] Leonor Beleza. Temos uma enormíssima responsabilidade como classe profissional de hoje em diante", disse Mário Jorge Neves, da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), perante uma plateia que a PSP estima em duas mil pessoas.
Segundo o sindicalista, os dados provisórios apontam, "sem qualquer demagogia e com todo o rigor", para uma adesão à greve superior a 95%, com vários serviços encerrados por todo o país. São números com uma dimensão "absolutamente histórica", afirmou o mesmo responsável.
Os médicos, muitos com uma fita preta atada no braço em sinal de luto pelo SNS, empunhavam cartazes com frases de ordem: "Não ao encerramento de serviços de qualidade” e "Pela defesa da qualidade da profissão médica". Entre a multidão, eram muitos os jovens estudantes de medicina e médicos internos que resolveram marcar presença e mostrar a sua preocupação com o futuro que os espera.
"Estou aqui porque temo que o meu futuro esteja muito ameaçado, não só em termos de remuneração mas também por não ter um contrato de trabalho", disse Joana Azeredo, de 26 anos, que está a começar o internato no serviço de Medicina Geral e Familiar no Centro de Saúde de Oeiras. Participa pela primeira vez numa greve e numa manifestação e já pensa nas dificuldades que terá em fazer carreira no SNS. "Não queria ir para o privado, mas se calhar..."
Outros já com mais experiência profissional lamentam a falta de diálogo do ministro da Saúde, Paulo Macedo, com os representantes da classe. "O SNS está em risco com as medidas que andam a ser 'cozinhadas' no ministério, sem o conhecimento dos sindicatos", sustenta Gabriela Lopes, de 55 anos, há quase 31 a trabalhar no SNS.
Foi do Barreiro até ao centro de Lisboa para contestar os "cortes cegos" que o ministério está a fazer no sector e em defesa das carreiras médicas e do acto médico, que "tardam em ser definidos". De bata branca vestida, afirma: "Vi crescer o SNS e agora vejo-o doente e a definhar". Sobre a contratação de médicos através de empresas de prestação de serviços de saúde, nem tem palavras. "Devia ser anulado, sob pena de acabar com o SNS", sustenta.
Aos gritos e com palmas, a multidão foi preenchendo os espaços entre as intervenções dos vários dirigentes: “Precariedade não, qualidade sim” ou "Os médicos unidos jamais serão vencidos" eram algumas das frases de protesto, ouvidas em uníssono. O som alternava com a música nas colunas de som - não eram canções de intervenção, como habitualmente se ouve nas manifestações, mas sim músicas do estilo chill out e até salsa.
Apesar de ter sido o último a subir à carrinha estacionada em frente ao ministério, de portas abertas para a multidão, o bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, foi dos mais aplaudidos. "Alguns admiram-se e outros, poucos, criticam que o bastonário da Ordem dos Médicos esteja presente na manifestação dos médicos. Mas a Ordem esteve desde o início activamente envolvida neste processo", referiu.
Deixando uma mensagem mais política, José Manuel Silva criticou o facto de Paulo Macedo falar "mais para a comunicação social" do que para os representantes dos médicos e manifestou-se aberto ao diálogo. "Estamos aqui para dizer à equipa ministerial que pode contar com os médicos para resolver os problemas da saúde", afirmou. Antes disso já tinha dito aos jornalistas que esperava "bom senso" da parte do Governo para "arrepiar caminho e procurar novas vias de consenso", perante os números da greve e da manifestação.Entre os vários discursos, são muitos os pontos comuns: todos falam de um "futuro comprometido", sem carreiras, sem orientação e sem tempo para acompanhar os doentes nos vários momentos do seu tratamento. Os médicos falaram nesta tarde a uma só voz. Pela primeira vez, juntaram-se numa manifestação dois sindicatos – FNAM e Sindicato Independente dos Médicos –, a Ordem, os estudantes e várias associações de especialidades médicas, como a saúde pública, medicina familiar, os internos e os médicos hospitalares.
Mário Jorge Santos, da Associação de Médicos de Saúde Pública, lembrou a manifestação de 1986, em que era ministra da Saúde Leonor Beleza. "Enchemos a Avenida João Crisóstomo exactamente desta maneira, com a força dos médicos, a força da juventude e a força de sabermos que temos razão", afirmou. "É lindo ver os médicos todos unidos na defesa da saúde pública", disse ainda.
Fonte: Público